terça-feira, 30 de novembro de 2010

Amor sem vintém

Falar de amor é como contar das bandalhas que se faz em plena luz do dia com sinal verde e sem vistoria, sem destino e sem possibilidade de regresso, numa bifurcação infinita, numa pracinha pequena e redonda. É como quando a noite cai, a temperatura fria [esfria] e o silêncio do nada faz ficar insone pra pensar nos delírios que se comete em nome do amor. É o mesmo que perceber o quanto a leve aguinha pesa nos olhos, por vezes muito mais que a onipresença mascarada do ego que não deixa que se assuma a falta de amor próprio e a expansão daninha da flor do ciúme. Ufa.

Ah, não adianta querer ir embora, Jupira. Pelos quatro cantos e em cada face santificada depois da hecatombe do amor, ainda há coexistências mil. Mas é gozado, mesmo seguindo por aí como fugitivo, depois de uma marota vacina, parece que ainda se transmite um vírus e se causa mal a qualquer um que se encontra pelo caminho...

No amor se descobre o quanto de bem e de mal se pode fazer. Até chá de veneno na cerveja dele depois de dizer que cão sem dono é bobo e cu sem dono é cu de bêbado. E depois sair com coragem madrugada afora procurando a casa que se deixou pra trás depois de dar duas facadas na mão do marido, depois de acordar o pobre coisificado que tentava dormir. Mulher é bicho ruim, ela diz. Correu e gritou pelas quatro e tantas daquelas horas que eram, pelas quatro esquinas daquela noite tórrida, pelas quatro meias estações que passaram duras em dois segundos pelos olhos e pelas sombras...e o marido correndo feito cego de sonos torpes pedindo perdão. Dói. Dói. Dói meu coração de boi. Um amor faz sofrer. E dois amores? Dois amores e quatro filhos te fazem é morrer de dar pensão, ô cara! Cuidado que a polícia vem aí. Em Mangueira se tem alvorada. Amor do alto, amor do chão, amor de morte, amor de cão. Amor sem um vintém. Mas com cachaça pra dar e revidar, vender nunca. Mulher é bicho ruim, ela tornava a dizer. Gritou pela rua. Acordou o deus dos cem-deuses e cuspiu na cara da avó. Aquela avó que era tudo vejam só. Depois saiu atrás do matuto que não era matuto. Sumiu na chuva. E depois ela fez o mesmo, na neblina. Foi a vontade de virar folha, melaço, alguma coisa doce ou leve pra adormecer sem sentir a cama mole e vazia. Homem é bicho burro, ele disse. Quase foi preso porque não pagou pensão. E ela quase morre de bebida. No fim não era ruim. Mulher ruim não morre assim. Ela morria. Morria fácil, fácil. Tanto mal, tanto bem. No fim nada disso tinha nome. Era só amor. Daqueles de mentir, sabe? Mentir amando, inverter fatos, fazer dramas...amor daqueles de briga sem pedir desculpas. Amor daqueles de culpa, de ser todo mundo culpado. Amor daqueles de tempo. De pedir tempo. Amor daqueles de dizer que se ama e que se tem cuidado pra não fazer ruindade. Amor daqueles de só querer paz.

Era só isso [o amor]?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Em se tratando de amor, todo truque é pouco

Olha Astor, uma coisa te peço: no dia em que tiverem mesmo glandes rolando na calçada, me chama que quero ver, afinal, paus deslocados dos homens que os carregam em um espaço público é um evento para lá de contemporâneo. Porque, feliz ou infelizmente (aí só o tempo dirá), todas as coisas loucas, bestas e arriscadas que fiz foram por conta desse negócio de pau. Por exemplo, anteontem fui a um espetáculo de dança com minha autora e todo mundo estava nu. Vai dizer que não é uma coisa de louco sair de casa num sábado chuvoso e ver um monte de homem nu? E sabe o que era melhor? Eles estavam com máscaras, ou seja, a única coisa que lhes distinguia uns dos outros eram suas glandes, umas maiores que outras, mais grossas que outras, mais cortadas que outras. Tinha uma, inclusive, que não era glande, era enorme, daquele tipo que você só pode comer se for por cima, pra manter o controle da arrombação. Pensa que é fácil se manter apertadinha na minha idade? Não é não, meu querido. Aliás, esse negócio de bucetinha apertada é o que faz vocês chorarem enquanto nós vamos beber nas esquinas desse mundo de Deus me livre. Porque, apesar do machismo que se impõe na publicidade e do imperativo da anorexia como linguagem, o que temos por dentro é que é saboroso. Gorda ou magra, flácida ou rígida, tudo que somos numa hora ou noutra se resume à nossa bucetinha. É uma parte pelo todo, uma metonímia clitoriana, uma coisa de louco. E quer saber? Adoro ser mulher. Adoro. Não troco a alegria de esperar um telefonema por nada nesse mundo. E quer saber? Mesmo quando o telefone não toca, sou feliz, porque penso que escapei de boa, afinal, nada pode ser pior pruma mulher do meu naipe do que um homem frouxo e medroso, que perdeu a capacidade de entender que o que preciso mesmo é ser respeitada pelo que faço e pelo que sou. Aliás, confesso que, num certo sentido, sou meio macho. Gosto dessa coisa do corpo humano e suas nojeiras. O suvaco, por exemplo, é uma parte lindíssima, zona altamente erógena, que passa despercebida só porque libera secreção. Acho engraçado esse asco que as pessoas têm das secreções. Se não fosse pelas secreções nós nem estaríamos vivos! Se não suássemos, nossa temperatura subiria a cem graus em minutos e morreríamos por desnaturação de todas as nossas enzimas. Desculpa falar assim nesse tom meio médico, mas é que sou formada em educação física, fui monitora de fisiologia e me apeguei a esses jargões até hoje. No fundo até gosto, me dá um status foda, todo mundo acaba me achando mais gostosa do que realmente sou e isso pra mim é melhor do que ver o mengão ganhar no maraca. Mas confesso que não consigo falar de mengão assim sem entrar em detalhes sórdidos e acontece que agora preciso sair, pois tenho um aniversário pra ir e ainda nem comprei presente. A propósito, já te disse que sou a pessoa que melhor compra presentes nesse mundo? Mas isso conto depois, pois preciso me arrumar, que, depois dos trinta, todo truque é pouco.

domingo, 7 de novembro de 2010

O amor é um inferno ou é impressão minha?

Perdi minha senha, roubaram minha chave - eu mesmo tirei cópia pra que entrasse sem nunca mais pedir - , agiram como homem que não sossega enquanto não seduz e conquista, virei uma mulherzinha, pedi arrego, pinico, rezei pra Santo Antônio, gastei mais dinheiro que devia, mandei flores pro meu próprio endereço, tive medo de perder - perdi - , praticamente acendi o cigarro ao contrário. E fumei. E como é ruim fumar ao contrário: um estouro, uma sobrancelha queimada. Uma marca no queixo. Uma chupada mal dada.
A cada choro de um homem no mundo, Jupira, há uma mulher rindo e bebendo na esquina - um brinde eu escuto agora, um brinde com jarras de suco [e um copo de mijo]: cabeças grandes e glandes rolando na calçada.
E eu que cheguei a pensar um dia que, eu - eu [eu] = eu + eu, amando, me tornaria mais amável. Descobri que me tornei insuportável. E quando finalmente lembrei que existia o medo, já tinha me fodido dos pés à cabeça.
E se você que ama fica esperando o momento certo para se desnudar, arrancar todos os tampões e deixar vazar todos os buracos pensando que são eles que realmente importam, fique sabendo de uma coisa: eles importam. Só não queira nunca mais morrer quando o outro correr pra cobrir suas vergonhas, digo, seus buracos. Não deixe. Eles devem ficar abertos pra você sair por aí peidando, maquinando engenharias, lavando a alma, sangrando poeira. Nu. Nua. Besta. Chucro. Com mais mil e um buracos pra vazar e soprar por aí perdendo palavras invisíveis por essa sua brisa inconstitucional, ilegal. E se depois disso tudo ainda escorrer aquela lágrima fina feito fio de navalha, diga em tom alto de oração e com as mãos juntas: "nunca mais vai beber minhas lágrimas, não vai, não...".
É... todo mundo tem seu dia de dor de cotovelo. Antigamente, Jupira, a gente evitava aquele bar em comum, a casa do amigo em comum... o supermercado em comum... tudo pra evitar ver a pessoa. Hoje tem as redes sociais, os depoimentos escritos, os recados, os vídeos, as fotos expostas e comentadas...Antes eram só cartas rasgadas. Letras tremidas.
Mas agora...o que fazer? Ou você apaga todas as contas e some desse mundão virtual de meu deus ou então...[bloqueia no msn e exclui].
que inferno é o amor. Um inferno roxo.
amor?
A mãe de uma amiga dizia: "Tens um inimigo? deseja-lhe uma paixão."
e assim termina o dia.
Aliás, Jupira, você sabe qual foi o resultado do jogo hoje?

domingo, 24 de outubro de 2010

Esperança é o catso!

Essa coisa de escrever em prosa corrida e arfante tem horas que cansa, sabe? Ainda mais num dia como hoje, que chove lá fora e aqui dentro faz sol. Sabe fazer sol por dentro? Ter muita vontade de viver, muito lugar pra visitar, muita conversa pra jogar fora? Sim, porque não só os papéis e as lembranças que se enchem de poeira e precisam ser jogados fora. As conversas também. Vai dizer que você nunca ficou um tempão querendo dizer uma coisa pra alguém e por timidez, medo ou pura preguiça ficou quieto, na sua, como quem tá distraído vendo uma manada de elefantes passar pela janela? Pois então, quando isso acontece, só nos resta aguentar o tranco, porque palavra não dita é que nem jujuba no fundo do pote: depois de um tempo, vira gosma, gosma açucarada, que não serve nem praqueles momentos de abstinência. E te digo mais: não é só da abstinência de açúcar que falo não, me refiro a todas as abstinências do mundo, afinal, abstinência é abstinência em qualquer canto. Fartura é diferente. Quero ver o ser humano estar ali no maior bem bom e ficar pensando em regular a mixaria. Claro que estamos aqui falando de pessoas como nós, perdulárias, hedonistas e pusilânimes. Os outros, não sei como fazem, até mesmo porque isso é com eles, não posso ser analista de todas as alteridades do mundo, não é mesmo? Mas o que queria te dizer é que tô cansada de prosa. Queria poesia, uma coisa existirmos a que será que se destina pois quando turva-se a lágrima nordestina vi que és um homem lindo e que se acaso a sina do menino infeliz não se nos ilumina. Tudo bem, peguei pesado, parti logo pra Caetano. Mas tanto faria se tivesse ido pras bandas de Zeca Baleiro, que pra mim é tão ou mais poeta que Caetano. Vai dizer que quando você vira lousa pra que eu possa ser giz, quando você faz a minha carne triste quase feliz não é uma coisa de louco, de matar um de melancolia aguda? Aliás, já reparou que a melancolia de hoje não é mais como a de antigamente? Raciocina comigo: houve um tempo em que o passado era de fato passado, em que as pessoas davam aquela sofridinha básica por uma coisa ou outra, só pra ter o que fazer, só pra preencher de sentido os domingos chuvosos, ou os sábados de lua cheia. Hoje em dia é proibido. Quando você fica chateado por alguma coisa, logo te perguntam: quando foi isso? Se você diz que faz mais de uma semana, logo tem alguém pra te mandar deixar disso, pra não arrastar corrente, que o que passou, passou e coisa e tal. Ou seja, dez dias é o intervalo de tempo máximo que a contemporaneidade te permite refletir sobre um assunto que te incomodou antes dele virar obsoleto. Vai vendo, chegamos à era da digestão rápida de questões, da análise fast food e da alegria a qualquer custo. Pra mim, é tudo culpa do Prozac. E do Viagra. Se esses dois não existissem, as pessoas pensariam um pouco mais e não saíam por aí achando que tá tudo certo e que a esperança é a última que morre. Agora me diga, Astor: de que vale ser a última a morrer? Grandes merdas. Caguei pra esperança. Pra mim, ela é uma invenção burguesa, que nem o anti-aging, o colgate Total 12 e os cremes pra tonificar bundas. Quer saber? Das minhas rugas, cáries e celulites, cuido eu. São todas minhas conquistas. Agora chega, meu querido, vou tomar umas cachaças, que eu tô amarga demais pra beber cerveja.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Há uma loba aqui

Minha mãe casou com quinze anos e não era mais virgem. Acho que mamãe tinha mesmo um fogo nas entranhas de dar medo. Naquele tempo isso não era normal. Digo, não ser mais virgem aos quinze. Ou era? Devia ser mais comum do que se pensa. Mas eu casei com dezenove e não sabia nem que sangrava. Fui pra minha lua de mel sem saber nada. Ficamos mais de uma semana em uma casinha na beira do mar e nada aconteceu. Fui saber que doía quando cheguei de viagem. Perdi minha virgindade na casa da sogra. Ah. Esqueci de me apresentar. Eu sou Cláudia. A mais nova namorada do Astor. Ele está dormindo e eu vim escrever aqui escondida dele. Não posso nem te dizer que ele manda beijos, Jupira, porque ele não sabe que estou cometendo esse crime. Mas eu penso que as mulheres sempre fazem tudo escondido dos maridos. Penso mesmo que nós mulheres, somos as maiores criminosas da paróquia! kkkkkkkkkk!!! Mas ele não é meu marido. E nem pretendo que ele seja. Eu disse que sou a mais nova namorada dele, porque eu sei que vou continuar sendo a mais nova. Sempre serei nova. Porque já-já ele me dá um pé no traseiro dizendo que eu sou ciumenta. Mas eu não sou ciumenta. Mas tenho um traseiro bonito. De fazer inveja a qualquer uma da minha idade. Mas também não estou atacando ninguém. Mas qual é a mulher que não gosta de ter seu traseiro elogiado? Mas levar chute nele, não. Mamãe passou muito talquinho em mim kkkkkkkkk!. Eu fui casada. Tenho hoje cinqüenta e sete anos. Sou uma mulher com muita história pra contar. Sou mãe e avó! E fico vendo vocês mulheres hoje tão livres e cheias de energia e lembro que um dia fui assim também. Como eu disse, eu casei com dezenove anos. Não sabia nada. Quando descobri que eu podia ser uma putinha, meu marido me deu na cara. Dei nele também. Aprendi a bater, a cuspir, a trabalhar. A amar. Aprendi também a mandar a sogra a pastar um pouquinho, assim, na diplomacia, sabe, querida? Porque não sou chegada a escândalos. A minha avó é que fazia muitos escândalos na família. Descobriu que uma de suas filhas – que não era mamãe – adorava fazer sexo anal. Vovó gritou na frente de todo mundo que ela não fizesse mais aquilo, porque aquele buraco vergonhoso era só pra fazer cocô. Quando ouvi essa história da minha tia, eu já era casada e já tinha meu primeiro filho. E fiquei tensa. A partir daí quis muito fazer sexo anal. Até sonhava. Com muito medo de doer, comecei a experimentar com alguns objetos. Mas só fui fazer mesmo com o meu segundo namorado depois do meu marido. Não entendia o que havia com aqueles homens. Mas também depois que fiz, desisti. Não foi lá nada demais. Muito melhor o que temos na parte da frente kkkkkkkkkk!

Bem, Jupira querida, estou aqui dando uma de abelhuda – sou sim uma abelha rainha kkkkkkkkk – porque você falou em loba. Sou uma loba também. Somos, né, amiga. E quanto mais velha, melhor. Mamãe está viva até hoje. Embora não tenha namorado, ela não deixa de aprontar as delas. E olha que ela tem seus setenta e cinco anos! A última que ela fez foi subir no andaime do pintor! kkkkkkkkkkkk!!! Se morresse ia morrer louca e feliz. Eu acho que falta muito esse ímpeto nessa geração de hoje – que não é a sua, viu, querida. A sua geração é uma geração sensível, de meninas-mulheres que tentam outras coisas mais interessantes, sei lá, tenho essa impressão. Talvez seja você que é carismática e inteligente. Se bem que os homens dessa época de hoje são os piores. Esses sim, não tem problema em fazer sexo anal. Não em nós. Mas neles mesmos. Não é preconceito, não, longe de mim. Mas e a gente? Onde é que fica? Astor não me dá aborrecimentos, mas também tem um olhar lá não sei onde que não consigo alcançar. Quando por muito nada, ele me liga de algum lugar dizendo que volta na semana que vem. Geralmente é em outro estado. Mas é um bom menino. Quer alguma coisa pra vida melhor do que oferecem por aí. Vocês são muito queridos. Mas ele vai me matar por ter feito isso. Se eu não conseguir postar outra vez é porque ou ele me expulsou ou porque trocou a senha. Mas eu descubro. Eu sempre descubro tudo. Afinal eu sou a loba, né, querida! Kkkkkkkkkk! Ai, me desculpe. Acho que falei muita bobagem. Não sou assim como vocês, pessoas interessantes, que vêem o mundo de uma forma tão peculiar, mas quis chegar mais pertinho. Desculpe a intromissão. Mas vou aconselhar a vocês: escrevam coisas mais picantes! Adoro! Kkkkkkkkkkkkkkkk! Beijomeligamechamanoskype! Astorrrr vai me mataaaaaar!!!

p.s. coloquei a foto desse rapaz aí, porque é muito melhor que fotos sem sentido.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Loba à deriva

Astor, se eu te contar uma coisa você jura que não conta pra ninguém, mas pra ninguém mesmo? Pensa bem. Pensa bem que esse negócio de jurar é sério, já reparou que a pessoa, além de jurar, deve jurar por alguma coisa? Tipo juro pela minha avó mortinha na cama como sou virgem, sabe assim? Aliás, que exemplinho que eu fui arrumar, imagina, gastar uma jura pra provar que é virgem! Isso era bonito nos tempos de mil novecentos e guaraná com rolha, hoje em dia, o povo quer mesmo é provar que dá. Aliás, quer provar não só que dá, mas que dá muito, porque dar é muito bom e fim de discussão, abafa o caso, respira fundo, evita unha grande e pronto. Esquece esse negócio de hímen, que isso é passado, a onda agora é formar pelado, filho, isso que o povo gosta. Você deve estar estranhando eu falar assim nesse linguajar inapropriado para uma senhora da minha idade e distinção, mas, numa boa, tô precisando colocar pra fora a loba que me habita em noites de lua cheia. Diz que esse negócio de lua muda a maré e se muda a maré por que razão não iria mudar a gente que é setenta por cento de água? Mas não vou falar de astrologia não que não era meu ponto central, apesar de que hoje a Lua está em Gêmeos e Mercúrio, em Virgem, o que torna fundamental não deixar a mente que pensa obstruir a mente que sabe, percebe? Percebe mesmo ou tá querendo se fazer de sensível pras leitoras? Porque também tem isso, né? O personagem tá ali, meio que esperando a fala do outro, passando o subtexto a limpo e de repente se pega com a chance de mostrar que é um homem sensível, quem deixaria passar? Eu se fosse homem não deixaria não, mas não deixaria mesmo. Se bem que não nasci homem nem hermafrodita, sou mulher e no final das contas isso é que importa. Quer dizer, isso que importa no início das contas, no final o que importa mesmo é fazer o que se tem vontade na maior parte do tempo, deixando o tempo onde você faz o que não tem vontade se sentindo besta de existir. É claro que precisamos ter em mente que, mesmo nas melhores famílias, pra fazer o que se quer, é necessário também fazer o que não se quer. Pensando bem, se editar essa última frase dá pra colocar na traseira de um caminhão e viajar o Brasil, o que você acha? Vamos viajar? Eu e você? A gente se rebela e vai, ganha mundo, mochila nas costas, umas ideias na cabeça, um motelzinho de beira de estrada e pronto: fazemos nossa versão de Thelma e Louise, aquele filme, lembra desse filme? É incrível, o final então, elas saindo de cena desfiladeiro abaixo, de mãos dadas, que poesia aquilo. E nem venha me dizer que elas eram lésbicas que uma delas inclusive era bem comida à beça. A outra, não, a outra apanhava do marido inclusive, acho que o diretor quis dar esse contraste, esse balanço, essa coisa dialética ao filme, será? Nunca sei o que se passa na cabeça desse pessoal de cinema. Não sei nem quero saber, mas também não tenho raiva de quem sabe que raiva é um sentimento muito ruim, eu, por exemplo, quando tô raivosa, fico com umas olheiras no pé, uma coisa muito feia. E, vamos combinar, antes que haja uma revolução estética sem precedentes: tudo que os olhos querem ver no mundo é beleza. Agora chega, melhor eu ir dormir antes que fique tarde e meu corretivo vença. Sei que uma vez te disse que não usava maquiagem, mas corretivo não é maquiagem, corretivo é dignidade pastosa, ante-sala do olhar 43, escada rolante pra vontade de parecer mais jovem. Eu poderia inclusive ficar horas aqui falando de truques, mas, agora, justamente agora, não estou nem podendo mais fingir que estou fingindo cada vez pior e quando a situação chega nesse ponto, meu querido, corretivo é o de menos e o melhor braço do mercado é o de Morfeu. Só te peço pra pensar em tudo que te falei. Mas pensa com a mente que sabe. Depois me conta que desde já eu quero saber.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Alma tacanha

Já que estamos em época de eleição, fiquei pensando várias coisas e observando a linha férrea que dá na Central do Brasil.

Aqui em cima dessa ponte onde estou é agradável. Alguns moleques soltam pipas e outros moleques, que matam aulas, jogam pedrinhas lá embaixo, na linha do trem. Daqui de cima, também os malandros pulam e fogem da polícia. À noite é bom evitar passar por aqui. Mas com tudo isso, deste lugar que é alto fica bem gostoso ver a vida. Tava era muito calor aqui no subúrbio, Jupira. Agora melhorou um pouco. Ventou muito. E eu com calor não sou ninguém. Fiquei pensando: com tanto calor quase excomungo ou rejeito o sol, fonte da vida na Terra. E a água? Que não se sabe de onde ela vem. Quero dizer, vem do Rio Guandu, isso a gente sabe. Mas por onde ela passa ou o que passa nela é que não se sabe. Devia eu é fazer um curso técnico na Sedae. Ainda mais quando se sabe que no Rio Guandu tem tudo que não é de direito: sofá boiando, garrafa, saco de lixo, gente desovada, cabeça de cachorro. Melhor até parar por aqui. Tem dias que a água vem de cloro até a alma. O cheiro forte do cloro. O corpo da gente feito mármore que se clareia com água sanitária.

O subúrbio ainda tem certa beleza como nas lembranças do meu avô quando ele resolvia contar dos tempos do Rio Antigo. Mas a alma das gentes ainda é muito tacanha. Mas ainda sobra certa nostalgia de um tempo em que se colocava cadeira no portão e conversava com o vizinho. A tristeza é que não se vê mais essas coisas por aqui. A padaria da esquina é assaltada uma vez por semana, sem exagero. Fico com um aperto muito grande no coração porque todo dia quando eu vou lá comprar pão, o “baixinho”, sem ninguém saber, coloca de três a quatro pães a mais na sacola. Se eu peço quatro ele coloca seis ou oito dependendo do dia. O “baixinho” faz isso com todo mundo. Todo mundo sabe. A dona da padaria já disse que lá ele não serve mais pão, que não confia mais nele. Agora ele varre o chão e só. Mas nenhum cliente fala nada. Quero ver se ele perder o emprego quem é que vai lhe dar outro. O jornaleiro também foi assaltado outro dia. Essa banca de jornal da esquina, que fica ao lado da padaria, não sei como fizeram, mas a banca fica em uma escada que não sei como não despenca. Só vendo. Pra eu ler um jornal que preste __ se é que hoje os jornais prestam __ eu tenho que encomendar e pagar com antecedência pro jornaleiro porque os melhores jornais da cidade não têm saída nesse bairro. Tem é o tal do jornal que coloca os homens enforcados, desovados, decepados, sem um olho como matéria de capa. A casa ao lado da casa da minha tia foi surpreendida por tiros. Escutei daqui da minha janela do terceiro andar na outra rua. Mataram foi o marido de uma senhora que me viu crescer, lembro dela, lembro da voz dela, a voz fina que nunca consegui entender aquela voz. Outras: O coreto da pracinha foi tombado pelo patrimônio histórico. Isso eu li no jornal. Falaram da boa acústica dos coretos dos subúrbios.

Desde que eu cheguei aqui na casa de titia, tou sentindo moleza no corpo. Não sei se é calor ou se é uma tal de virose que anda solta.Sempre essas, hein: virose. Também penso que é da água. Da água que vem do Rio Guandu. Se não é da água deve ser da alma. Tem vírus de computador, deve ter vírus de alma, a ciência é que não descobre. Está mais ocupada é com clonagem. E o povo ocupado com beleza e lipo aspiração tentando afastar velhice e morte natural. As mulheres do subúrbio fazem ginástica. Vão pra academia e fazem abdominais e outras essas coisas. Umas não. Não tiram a barriga do fogão. Fico pensando na Elis Regina senão tivesse sido cantora. Estaria lá em Porto Alegre rodeada de panelas e filhos como eu ouvi dizer. O centro cultural aqui perto só funciona em época de aula na universidade. Nas férias fica fechado. Saiu no jornal que o povo daqui não vai ao teatro e ao cinema porque gasta o salário só com comida. A alma daqui do bairro é muito calada. Os homens cuidam dos carros nos finais de semana. Lavam os carros na calçada com o som alto. Carro é relíquia por aqui. E poder. Quem não tem, não é nada. As mulheres fazem telefonemas anônimos pras casas das amantes dos maridos pra meterem medo. Comércio forte aqui é boteco. Os meninos se não vão estudar viram chefes de boca de fumo. E a alma do bairro continua calada vendo tudo isso. A alma tem que comer pra suportar o tranco. E as últimas: a síndica que constrói um monte de casas na praia com o dinheiro que rouba do condomínio, é o que tão dizendo. Será que ela aprendeu isso com os candidatos? Bem, tanto faz ou tanto fez. Tomar posse é palavra de ordem. Eu posso? Eu tou é preocupado com alma. Alma tacanha como ela só.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mesma matéria

O feminino de poeta pode ser tanto poeta como poetisa, mas isso não tem absolutamente a menor importância se formos levar em conta que o que não falta nesse mundo de Deus me livre é gente que se acha poeta, não é mesmo? Pra mim o mais complicado é essa definição. O que faz de uma pessoa poeta? Ou cronista? Ou romancista? Ou roteirista? Porque o médico faz faculdade de medicina, o engenheiro, de engenharia, a professora de pilates, de fisioterapia, mas e o escultor de palavras, precisa do quê pra se considerar um artista? Penso muito nisso e, sinceramente, sem querer te magoar nem te tirar a fé no mundo, esse negócio de citar muita coisa, além de nunca ter feito de ninguém um ás na elaboração criativa, é um perigo, porque chega uma determinada hora que não sabemos mais o que é citação, o que é originalidade e o que é puro onanismo estético. Porque, numa boa, punheta eu até encaro, afinal, pau bom é o que tá na minha mão, mas onanismo estético já é meio demais pra mim. Outro dia, inclusive, conheci um personagem de comédias românticas, dessas onde o casal protagonista sempre acaba feliz no final, dizendo eu te amo e você é a luz da minha vida, depois de cada um ter comido todo o elenco, incluindo o pessoal da técnica, que afinal de contas é filho de Deus e também precisa se alimentar. Pois então, esse personagem me contou que, depois que começou a fazer esse tipo de trabalho, passou a reparar que volta e meia, sem perceber, se pegava citando Leminski, Shakespeare e Lope de Vega e que isso, por mais que aumentasse o sucesso com o sexo oposto, aumentava também, em igual proporção, a incidência de conversas desconexas que em nada colaboravam pra construção de uma relação saudável, fosse ela de sexo casual, de amor ou de monogamia. A propósito, a monogamia caiu com a reforma ortográfica? E os pingos nos is, você sabe se caíram? Estou tão confusa hoje, Astor, que seria capaz de andar da minha casa até Salvador levando comigo só água e sonhos. Não os de padaria, mas aqueles dos quais a gente nunca desiste, independente do passar do tempo, da gravidade, da perda de colágeno e da incapacidade de rir da nossa própria ignorância, sabe? Te pergunto isso mas lá no fundo tenho a certeza de que você entende tudo que eu falo, porque em você também bate um coração de personagem, que nem o do homem de lata do Mágico de Oz. Nós somos feitos da mesma matéria, meu querido, e isso ninguém tira de nós. Nem o Papa, nem a Santa Ceia e muito menos um punhado de onanista que acha que é superior porque leu meia dúzia de livros e aprendeu a citar autores elegantes. Falando nisso, me lembrei agora que uma vez tava conversando com um autor elegante (mas elegante mesmo) e ele me disse o seguinte: "até gosto quando sou citado, mas, cá pra nós, prefiro ser excitado". Não foi demais essa? Não preciso nem dizer que em menos de cinco minutos o pau dele já tava na minha mão e a mão dele na minha tatuagem escondida. Mas não vou me estender nesse assunto senão fico úmida e intensa e aí a coisa pega de uma maneira que nem eu mesma dou conta, sabe assim? Mas fica frio que esse episódio vai entrar na minha biografia não-autorizada, pode deixar. Agora preciso ir mesmo que tenho hora no salão. O de beleza, claro. Vou fazer minha primeira escova possessiva. Tomara que dê certo. E que não chova. E que eu não fique com aquela mania de toda hora me olhar no espelho como se não houvesse nada mais importante na vida. Mas isso te conto depois. Se cuida, querido, e lembre-se: nós dois somos um e tudo é uma coisa só.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Bio

Eis aqui

minha urgência.

Começaria assim a minha auto biografia, caso eu não fosse personagem deste que muito mal me traçou. Mas sou só uma tentativa frustrada de negociação com as próprias vicissitudes da vida [dele]. Quando falo dele, parece que tou falando de deus. É uma coisa meio estranha. Personagens deveriam ganhar muito dinheiro para ser o que são [e o que não são]. Mas não é sobre isso que eu queria falar hoje, Jupira. Mas também serve. Personagens de aluguel poderiam compor muito bem uma agência, uma ong, sei lá. Todos esperando pra serem contratados por esses criadores frágeis e indefesos que teimam em se idealizar gênios em seus gabinetes cheirando a mofo de livros que lêem, relêem e plagiam. No fundo gostam mesmo é da geléia de morango que todos os grandes mortais usam em seus amores inventados. Pensa só.

então a minha auto biografia terminaria assim:

...e eu fui sumindo, sumindo, quando ela acendeu a luz. Fim.

É que ela era poeta [por favor, não me corrijam dizendo que o feminino de poeta é poetisa.]. E advogada. Tinha uma retórica quase convincente, mas no fundo era só alguém com uma moral flexível. Gostava de colocar frases de Clarice Lispector no facebook, mas tampouco era louca de dizer que dava para o mal. Tinha urgência do casamento, mas não queria dividir a cama. Queria me encontrar, mas não tinha tempo. Dizia que me amava, mas não se jogava aos meus pés. Mostrava suas gorduras, mas não me encarava. Queria fazer uma micro tatuagem no ânus como aquela personagem que pintava caralhos, mas não sabia o quê tatuar. Era Nietzscheana, fazia pilates, terceira faculdade, limpeza nos dentes e nos ouvidos de seis em seis meses [morria de medo de ficar surda], no fundo queria ser a Adélia Prado. Ou a Elisa Lucinda. Cantava O Bêbado e a Equilibrista todas as vezes que encontrava alguém ao piano. Depois cantava Detalhes. Quando foi a Cuba pela primeira vez se sentiu mal. Mal mesmo. Enfim leu-me um trecho de um poemitcho seu. Isso foi na mesma noite em que fomos pela primeira vez a um motel. Depois da nossa primeira transa. E única. Depois do primeiro poemitcho, veio o segundo. E o terceiro. Foi quando ela acendeu a luz. Empolgou-se a guria. E foi aí que eu sumi. Se ela me procurou? Não...Nessa época eu tinha outro nome. Era outra coisa.

Entende?

Não queria explicar esse post. Mas esses passeios pela vida afora são umas quimeras negociáveis...uns ajustes nas juntas dos ossos...ou um concerto para os com almas. Ainda assim me agito. A gente se agita. A gente já deveria saber muito bem o andamento dos enredos. O Propp provou mais ou menos isso que eu estou falando.

No meio da minha auto biografia eu diria assim:

...Sou um personagem que só se estimula quando os dormentes quebram nos trilhos. E quando as outras personagens se perdem e nunca mais voltam. Pra que um dia voltem.

antes do fim eu diria:

Não sei o que é isso que escrevi. Mas vai ficar.

domingo, 5 de setembro de 2010

Poesia concreta

Desde que me entendo por personagem, o espaço entre as linhas me intriga, porque é algo para além do subtexto, do pensamento que move a ação e do silêncio que precede o esporro. É lá nesse espaço que moram os fatos distorcidos, as meias-verdades, o desespero, a maturação e a esperança. Sim, ela mesma, a esperança, pensou que eu tinha me esquecido dela, né? Que nada, meu querido, eu sei tanto quanto você que, por mais que uma pessoa se diga cética, cética mesmo, tipo prima-irmã de São Tomé, lá no fundo, na calada da noite, quando os gatos já até deixaram de ser pardos, carrega um cadinho de esperança, nem que seja no viagra, nos homens ou na mega sena. É claro que não tem como ignorar que a vida vai em frente e que determinadas coisas simplesmente ficam pra trás, perdendo pouco a pouco a importância e a chance de dizer ao que vieram. Sei lá, Astor, tô aqui falando isso tudo, mas, por outro lado, também sei que é justamente nesse negócio de ter esperança que muita gente se fode de verde amarelo azul e branco, de uma forma bem brazilian fashion week from hell. Você deve estar achando que estou brincando ou que eu estou ficando louca, mas não é nada disso não. Outro dia, por exemplo, esbarrei na rua com um personagem que vi uma vez só na vida, numa suruba, e depois acabamos não nos encontrando mais, nem pra conversar, porque era só nas linguagens não-verbais que a gente funcionava de fato, sabe? Pois bem, como já tinha muito tempo que não nos víamos e ele estava cheirando a cigarro e com a barba por fazer, acabei aceitando o convite dele pra conhecer a cervejaria nova que abriu ali na Lapa. De cara já achei um bom sinal ele lembrar que eu gosto de cervejas diferentes e que simplesmente cuspo em Skols, Itaipavas e Antárticas. Ou seja, lá no fundo, mais precisamente entre o ponto G e a buceta, tudo transcorria de forma agradável e eu até pensei se não seria o caso de no passado eu ter sido um pouco exigente demais e não ter dado valor à linguagem do moço, que, olhando agora, depois da quarta garrafa, já me parecia bastante razoável. Pois bem, papo vai papo vem, comecei a me sentir à vontade com ele e comentei que, mesmo tendo perdido bastante peso desde nosso último encontro, continuava me achando gorda, afinal, quando sento, minha barriga ainda dá aquela dobrada, ao que ele respondeu, de forma veemente, que não, que eu não era gorda, mas que só dava pra perceber isso quando eu estava nua, com os volumes devidamente expostos e proporcionados. Eu posso com isso, Astor? O homem me come uma única vez, me reencontra e, só porque tá me pagando meia dúzia de Eisenbahn, já se sente na liberdade de falar sobre minha nudez assim de forma tão descarada? Fiquei pretérita! Onde já se viu isso? Eufemismo é bom e eu gosto! Mas sabe de quem fiquei com mais raiva? De mim, lógico, por ter dado pala prum personagenzinho de elenco de apoio da novela que tá passando no ‘Vale a pena ver de novo’. Duvido que um protagonista de minissérie meteria uma dessas. Jamais! Esse povo mais garboso entende de metáfora, esbanja nos sinônimos e, portanto, sabe usar uma entrelinha como ninguém, que mulher gosta mesmo é de um cadin de mistério e (por que não?) de uma mentirinha sincera de vez em quando, se possível acompanhada de flores. Ou de massagem nos pés. Ou dos dois juntos. Afinal, como já dizia minha tia-avó Neuza, molhadas, todas nós somos cegas, e, de pau duro, todos os homens, poetas. Agora chega que preciso descer, senão não pego a padaria aberta e hoje, mais do que nunca, preciso de um sonho, nem que seja de açúcar.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ainda sou Astor

Minha foto
Ainda bem que consegui te encontrar pessoalmente, não é, Jupira, e ver que essa coisa de desacreditar na vida é mesmo só a linha escrita, porque a entrelinha disso tudo dá um livro branco, uma odisséia, uma forma anti-geométrica, um horizonte mortal, uma dança no meio do mato, uma pintura no rosto, pássaro que limpa os dentes do crocodilo. “Acreditar, eu não. Recomeçar, jamais. A vida foi em frente e você simplesmente não viu que ficou pra trás.” E isso é só a letra de um samba. Onde se sofre com alegria, sacudindo a pélvis.

Não, definitivamente ninguém fica pra trás. Nada fica. Tudo está. Só que eu te entendo perfeitamente. Fico olhando os pobres que ficam esperando tudo caber nos seus sonhos, como dizia o poeta. Veja bem: uma mulher que diz pra eu fazer a barba (só porque tenho fiapos brancos no queixo), diz pra eu tirar determinado objeto do pulso. Fico pensando no que pode vir por aí. Ela quer me inventar. Não seria mais fácil aceitar essa coisa estranha chamada Astor, que só foi chamada de Astor porque mamãe (aquela que não conheci) disse? Ah, “eu sou eu porque o meu cachorrinho me conhece”. Mania que tem de querer transformar tudo. Pior são os que pensam demais. Um carro é uma arma. Um pensamento também. E eu fico vendo essa maravilha de cenário. Um amigo levou um pé na bunda da mulher. Viveu com ela dois anos e agora não consegue decifrar tudo o que foi dito. Está cheio de perguntas sem nenhuma hipótese de respostas. E olha que o calor das hipóteses é tão interessante. (?) Fico de bico aberto com isso. Como não reconhecer ou deslindar umas coisas ditas por uma pessoa que você sabia até a sincronia da respiração? A palavra é esquisita. Juntar palavras é mais esquisito ainda. Falar sobre alma é assustador. Será que é melhor ficar com as coisas mais palpáveis? Tipo as coisas da rotina? Eu tenho a péssima mania de roubar as estranhezas dos outros. E vou me entupindo de charcos dessa mistura de sal e açúcar contida nas lágrimas dos risos e tristezas. Acabei fazendo a barba. Tava me coçando. Não suporto coceira. Mas ando querendo dar “uma coça” em algumas pessoas. Merecem. Podes crer.

Estou indo pra algum lugar, Jupira. Que não sei onde é. Mas estou indo.

Quando eu chegar lá eu te digo onde estou e em que me transformei. Ao menos em uns segundos.

domingo, 29 de agosto de 2010

Esculpindo nuvens

Hoje amanheci desacreditada da vida, Astor. Sério mesmo, uma coisa esquisita, de olhar pra multidão e não ver um número par, só ímpares, nenhum número primo, nenhuma constante pra chamar de minha, só um bando de variáveis bipolares. Não quero te assustar te dizendo essas coisas, afinal, você é um ser humano como outro qualquer, sem preparo pra ouvir minha descarga emocional, meus elétrons sem prótons, minha carência de nêutrons, minha química espalhada por um físico forte. Eu sou forte, sabe? Uma mulher grande. Meus peitos, por exemplo, não cabem nas mãos de um homem mediano. Isso porque agora sou manequim 42. Imagina quando eu era 46. É, meu querido, emagrecer é um processo estranho, porque você fica com dificuldade de aceitar que não é mais gorda, que a calça da loja do shopping cabe em você mesmo, que aquilo não é uma concessão da vendedora, nem do espelho, nem do zíper. Que o ‘gostosa’ escutado num raio de dois metros é pra você e não pra sua amiga de cinquenta e poucos quilos. Me sinto como se a manequim 46 que fui fosse a criadora e a manequim 42 que sou a criatura, sabe assim? Como se de mim tivesse nascido (ou morrido) outra. Mas nem sei porque tô te falando isso, acho que é porque acordei pensando no amor, nessa coisa cafona que é gostar de alguém. Na verdade, cafona, cafona mesmo, é saber que o tempo passa e a gente continua criando pessoas que não existem, só pra manter vivo o exercício de amar. Porque os viventes que estão por aí, na vida real, não fazem rir nem chorar, não deixam bambas as pernas e nem molhadas as calcinhas. Sim, não é porque sou personagem que não molho calcinhas, seu bobinho. Se quer mesmo saber, ando sempre com uma lingerie extra (de renda preta, naturalmente), na esperança de esbarrar com o homem que criei pra amar. Um boneco inflável sem ar, uma abstração cheia de palavras de ordem e ordem dos dias, um impedimento em meio ao fluxo, um acontecimento em meio à monotonia, um oásis sem deserto. Fico pensando nos requisitos desse homem e chego à conclusão de que prefiro que ele seja uma pedra bruta pra que de mim surja uma escultora. E, depois de pronta minha obra, só me restará fazer uma exposição, rodar o mundo, ficar famosa. E a todos aqueles que quiserem colocar preço em minha criatura, direi, em alto e bom som, com a boca cheia daquilo que vocês homens se esvaziam ao nos preencher: "Não quero gorjeta, faço tudo por amor".

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

No pátio de pedras perfeitas de H.

O criador e a criatura vão perecendo durante o caminho. Não me pergunte o que eu quis dizer com isso. Só sei que já disse.

Meu criador não me leva muito com ele. Por isso ando por aí sem rosto. Mas há tempos, Jupira, que incido sobre pontos, vírgulas, raízes e palavras de cartas dele. Não fico de lado, não. Não fico amarfanhado como se pensa. Vez em quando grito meu uivo também. E ando com vontade de dizer muitas tolices como um bufão. Dizer coisa sem coisa, nem lé nem cré, inventar nova língua, idioma sem concordes, vogais bucólicas, uma sanha verde. Queria mesmo ir a todos os lugares a pé, como se fazia em tempos imemoriais [tou com mania dessa palavra]. Estive por aí nesse lugar que você foi com sua dona (?dona?) – é que há essa sanha dos criadores que eu gostaria de contar. Mas ainda não vejo nada disso direito. Então deixe que eles sejam os donos. Nesse lugar que você foi, eu vi as cadeiras em roda. Eu vi todos indo embora também. Mas da vez que fui lá, eu fui o primeiro a ir embora. Pedi licença, coisa que não faço sempre na vida. Aprendi assim... Acho que essa coisa de pedir licença não equaciona. Quem entra, entra. Quem sai, sai. Estou falando isso porque ultimamente há tanta gente entrando em minha vida sem pedir licença, e eu não sei como isso acontece direito. Alguns entram e ficam. Outros entram e mal entram já saem. E eu continuo aqui nesse irreversível de mim que se faz reverso com tantas idas e vindas; é interessante. E pitoresco.

Hoje dei uma volta no quarteirão. Pra nada. Seria melhor andar naquele “pátio de pedras perfeitas” de H. Tenho uma saudade de H. que você nem sabe. De vez em quando deixo de visitar H. só pra poder fazer a visita no dia seguinte [?]. Mas se visito H. procuro não acordá-la. Ela pode se chatear. Se bem que sempre visito H. com um copo de “alcoólicas” na mão. Pra ela rir um pouco. Daí você colocou suas palavras pra leitora budista, e eu decidi colocar pra H. Meu corpo está em estado de “potlatch”. Nunca mais me livro dessa maldição. Isso me emociona e me liberta. Sonho com as tribos indígenas que Maus falava. Achei até uns brilhantes de minha tia que estavam escondidos em uma velha panela de pressão. Explodi os brilhantes e fiquei com a panela de pressão intacta. Valeu-me muito mais. Se bem que tenho pavor de duas coisas na vida: raios e panela de pressão ligada. Deve ser porque também tenho raios no sangue e pressão, umas artérias e todas aquelas coisas de dentro que são horríveis. Pros raios que partam.

H. era assustada e corajosa. Uma coragem que me comove ainda hoje. Só me lembrar da palavra que ela mais dizia quando via um ser (humano) que ela admirava: “deslumbrante”. Quando passei a ouvir isso de H. me bateu uma comoção tão forte, sabe, Jupira? Não há coisa mais incrível quando você reconhece que alguém como nós, meros mortais sem “deus dos sem deuses” é deslumbrante. Acho essa palavra a coisa mais fina. O melhor dos segundos de amor e humildade que alguém pode sentir ou ter. Ah. Dei pra sonhar com vôo. Com tudo que voa. Dei pra sonhar também com composições musicais. Mas não me lembro de nenhuma. Só as que já sei mesmo.

Em que lugar você está agora, Jupira? Coexistes?

Eu estou aqui no meio do “pátio de pedras perfeitas” de H.

A grande figueira venta na minha cara. Nos meus pés tem muita liberdade e trem de ferro.

Estou fritando um peixe.

- “Queres o peixe na manteiga ou no mijo?”

- “Vai fritando. Falavas?”

- “Falava que não há salvação, pois coexistes.”

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Para a leitora budista

Hoje minha autora me puxou pruma conversa. Confesso que me deu um arrepio na espinha, pensei que a coisa ia virar aquele papo mole que não acaba até a hora de alguém se aborrecer ou dizer que está tudo bem mesmo não estando, sabe como é? Eu acho que você sabe, você tem esse jeito de quem ri com o fígado, uiva pra lua e sonha em preto e branco, mas, voltando à vaca fria, eu disse um monte de verdades pra ela, que eu preciso de espaço e de tempo, como todo personagem que se preze. Falei também que gostava de atenção e de carinho, que sou dengosa, ora bolas. Devo ter feito um bico tão grande que ela resolveu me levar pruma reunião de trabalho. No caminho, dentro do vagão do metrô, ela me explicou que, dentro do processo criativo dela, a poesia, apesar de ser mais difícil de ficar bonita, demora menos tempo pra ficar pronta, enquanto que a crônica e o conto demandam mais trabalho, mas, de um modo geral, ficam mais fluidos, por conta de se inspirarem no cotidiano, na oralidade e coisa e tal. Comentou também que a boa crônica é aquela que lemos em voz alta sem que nos falte o ar. Foi ela dizer isso que chegamos na estação e, em menos de cinco minutos, numa sala enorme dentro de um prédio bem antigo, desses onde os móveis têm cheiro de Rua do Lavradio. As pessoas estavam sentadas em um grande círculo, esquema primeiro dia de aula e, quando pediram pra ela se apresentar, saí pra dar uma volta, que não gosto de ouvir a mesma história várias vezes, afinal, figurinha repetida, além de não completar álbum, costuma pouco valer em partidas de bafo, concorda? Pois bem, nessa volta, me pus a andar. O fato é que andei tanto, mas tanto, que acabei parando numa sala com uns rádios da época em que vovó era mocinha. Muito bacana mesmo. Eu fiquei tão empolgada, mas tão empolgada, que liguei o aparelho mais bonito de todos só pra ver se ele ainda funcionava e qual não foi minha surpresa ao ver que ele não só funcionava perfeitamente como também tocava um bolero justo naquela hora. Achei que estava sonhando e, portanto, pedi pruma faxineira que passava no corredor me beliscar. Ela me olhou de um jeito estranho e na hora me lembrei daquela doença que um dos sintomas é a perda da sensibilidade da pele, como é mesmo o nome? Hoje em dia o troço até tem cura, mas antigamente era um horror, os doentes eram jogados em sanatórios, que a coisa era contagiosa, meu deus, como se chama mesmo o raio dessa moléstia? Bem, acho que é o caso de procurar na wikipedia, que minha memória não chega a ser uma Brastemp e isso, definitivamente, não importa agora, até mesmo porque a dona, apesar de ter me achando doida, não foi louca o suficiente de me perguntar porque eu tava pedindo aquilo, deve ter pensado que eu era artista e foi logo me beliscando sem cerimônia. Como doeu muito, vi que não estava sonhando e foi exatamente nessa hora que pensei em você, Astor, porque bolero é coisa de quem vê com os dedos e escreve com a boca. Mas o melhor ainda estava por vir. Depois desse passeio incrível, voltei pra tal da reunião, que parecia estar acabando, pois as pessoas estavam todas de pé, com aquele jeito de pendurar a bolsa que só quem tá a fim de ir embora pendura. Fiquei ali no meu canto esperando minha autora quando vejo uma moça vindo na minha direção. Cheguei a olhar pra trás pra ver se era mesmo comigo e de repente ela veio e disse: "Você é a Jupira, não é?" "Sim, sou, você me conhece?" "Claro! Você e o Astor fazem parte da minha vida já. " "Mesmo?" "Sim." "Jura?" "Olha, eu sou budista, budistas não costumam jurar, mas, se for importante pra você, posso até jurar, Jupira, que você é muito divertida." "Quê isso..." "Posso te pedir uma coisa?" (Claro que podia) "Dedica sua fala um dia pra mim, que nem você fez com a Linda, aquela leitora que dá em cima do Astor?" "Lógico." "Tá bem, agora preciso ir, foi um prazer." "Espera, qual seu nome?" "Não precisa citar meu nome, não, fala só que é pra leitora budista, que eu vou saber que é comigo." É, Astor, Andy Wharol tinha mesmo razão: se nada mais der certo, pelo tivemos nossos quinze segundos de fama.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Memórias, miríades...

Sua avó parece ter sido incrível, hein, Jupira? As avós sempre deixam essas marcas de amor por onde passam. Eu que não conheci minha avó... Como já disse, só tenho minha tia, que já está se tornando uma avó. Meio biruta-meio amorosa, pode crer. Eu voltei da Ilha, mas ela ficou. A força dela está como se tivesse alcançado dez pontos naquela escala que mede tremores de terra, sabe qual é? Que tem um nome difícil de escrever. Você me entendeu. Ela tinha muitos tremores. Febres. Ainda bem que o caríssimo jovem que lhe rende paixão gosta de rumbas e salsas, porque sem essas, minha tia não vive. Ela sempre amou Cuba por demais. Minha tia me criou desde muito pequeno, porque minha mãe virou uma grandiosa águia e partiu com uma cobra enrolada no pescoço (eu tenho mania dessa imagem). Não sei se eu seria a cobra ou a águia. Talvez o vão entre as duas. Ou o perigo ameaçador que uma causa à outra. E a pulsão de continuar voando.

Um dia conheci mamãe. Linda. Exuberante. Deslumbrante mesmo. Eu não era mais menino, mas minha tia me soltou naquele lugar que até hoje não sei onde fica – porque eu fui com uma venda nos olhos – pra conhecer a mulher que me pariu. Ela não sabia que eu era seu filho, mas me serviu um belo café da manhã no seu restaurante. Ela tinha uma cobra tatuada no ombro direito. Usava um vestido vermelho com alças finas, desses que hoje não se vê mais. Bem, eu nunca mais vi esse vestido. Esvoaçante. Com um laço discreto na cintura. Então eu estava ali... frente a desvendar todo o mistério que envolvia a figura de minha mãe. Mas preferi tomar meu café e ir embora. Eu comecei a respeitar meus mistérios, sabe? É melhor que todos os mistérios fiquem como mistérios. Se eu deslindasse a aura de mamãe, eu poderia transformar tudo em míseras migalhas de pão no prato. Ela parecia bem feliz ali naquele lugar que eu não sei te descrever. Recoloquei minha confortável venda e segui em frente. Mãe é quem cria. Mãe é aquela que sabe e não aquela que procura saber. Bastou-me ver que a mulher que me pôs no mundo era incrível, deslumbrante.

Voltamos eu e minha tia em sua velha brasília azul-rei. Depois de uma longa estrada e muitas salsas no caminho, paramos pra almoçar um belo pato com laranja. Eu que tinha pavor de comer pato desde tempos memoráveis. Lembro-me que quando vi meu primeiro pato assado na mesa, feito por titia, eu chorei. Mas veja isso. Veja bem as pessoas que sabem fazem isso que vou lhe dizer: minha tia escondeu o pato, não sem antes me dizer que o havia jogado no lixo. E pro jantar fez bolinhos. Dizendo que eram coxinhas de galinha. Devorei o pato como uma bela galinha.

Bem, almoçamos o pato em um restaurante daquela estrada cheia de poeira. Dali partimos de volta ao nosso mundo naquela velha vila no meio do nosso vale preferido. Naquele dia nós ouvimos todas as rumbas que podíamos. Dançamos como sempre. E bebemos nosso vinho seco. E mais uma vez, ao final da madrugada, minha tia berrava seus boleros abraçada com a imagem de São Benedito. E eu ria.

Eram quase seis horas da manhã, na marambaia _ou seria na Guanabara?_ quando o vermelhusco batom riscou os lábios grossos antes de minha tia ir para o trabalho. Ela foi. E eu padeci no sono da manhã.

domingo, 15 de agosto de 2010

Nanã

Acho que nunca te falei de minha avó materna, né, Astor? Na verdade não a conheci porque quando ela morreu eu tinha só seis meses de vida e nem os esfíncteres controlava, que dirá conhecer alguém na acepção ampla da palavra. Ainda assim, me miro nela, que era uma pessoa feliz, mas feliz de doer, sabe assim? Pra se ter uma ideia, ela, por exemplo, nunca fez uma viagem ao exterior, dessas que a gente ostenta no facebook, na sala de estar e nas vernissages cool. Acho que o mais longe que a bichinha chegou foi Florianópolis e, ainda assim, nem pôde curtir as praias, já que tinha ido lá mais pra ajudar mamãe e naturalmente passou boa parte do tempo cuidando dos meus irmãos mais velhos que, apesar de já estarem grandinhos, ainda precisavam daquela supervisão no quesito dignidade, afinal, o cu é a última parte que aprendemos a limpar direito, não é mesmo? Pois bem, o que meus irmãos contam é que vovó, fosse em Floripa, fosse no Rio, entre uma limpada de bunda e um "não sobe aí menino que você pode cair", estava invariavelmente irradiando alegria. Eu sei que é difícil ouvir uma coisa dessas sem se perguntar lá no fundo se ela não tomava uma biritinha, um antidepressivo ou um veneninho antimonotonia qualquer, mas, pasme, ela era mais careta do que todas essas evangélicas ex-viciadas que aparecem por aí dizendo que encontraram Jesus. Acredito que lá de cima ela reprove o fato deu tomar remédio pros nervos de forma tão sistemática, mas ela foi ela e eu sou eu e, nessa vida, definitivamente, vale o que acontece e não o que acharíamos ótimo que tivesse acontecido. Exatamente por isso não me sai da cabeça o porquê de tão incomensurável alegria. Penso, penso, matuto, faço pastinha de neurônio e não encontro uma explicação plausível. Tudo bem que ela era bem casada e provavelmente bem-comida, mas isso não é o suficiente pra justificar tamanho júbilo. Ou é? Taí uma pergunta que não sei responder, afinal, os casamentos da nossa geração não são a mesma coisa que os daquela época. Hoje em dia, enquanto ainda se está pagando as prestações da festança e da lua-de-mel, o casal tão feliz das fotos e do vídeo já está amigavelmente afastando as escovas de dente, deixando lençóis saudosos e liberando novos solteiros no mercado que, estatisticamente, ou se casam de novo quase que imediatamente, ou ficam um tanto quanto perdidos entre o medo de uma nova relação e o desejo de estar perto de uma pessoa arrebatadoramente interessante que de novo possa trazer aquele cheiro de casa de campo em plena selva de pedra. O fato é que queria muito poder conversar tantas coisas com vovó que nem te conto. Às vezes me pego com uma inveja danada das minhas amigas quando elas começam com "minha avó isso, minha avó aquilo" e eu sem ter o que dizer, pois, pra piorar, meu pai é órfão e, portanto, o que me restou foi conversar com minhas tias-avós, que, apesar de serem muitas, sabem voar. Pela memória delas, sei como foi a infância de vovó, como ela começou a trabalhar escondida do pai dela, como conheceu vovô, como se arrumava em dez minutos, como ria alto, como não ligava quando chovia, como amava dar o primeiro banho em cada criança que nascia na família, como tinha uma pele tão incrível que parecia que nunca iria envelhecer e como fazia um arroz com agrião que até hoje ninguém consegue imitar. O que minhas tias-avós não sabem é que em domingos assim como esse de hoje, meio chuvosos, em que o desejo de ficar embaixo do edredon é mais forte até do que o de comer chocolate, tenho sempre a impressão de que vovó olha por mim mais de perto do que de costume.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sou brasileiro imperador!

Arrumei um emprego em um bar onde o pessoal é animado pacas, Jupira. Eu andava meio durango kid e resolvi ganhar uns trocados. Nesse meio tempo, apareceu a Celeste que cismou que queria casar comigo, mas na verdade ela só queria mesmo é um ombro pra chorar. A gente já conversou sobre isso, não é? Essa mania que esse pessoal do nosso tempo tem de fazer do amor uma terapia, ou fazer do amor um terapeuta. Você me entendeu. Mas isso não interessa muito porque o que eu precisava mesmo era de uns trocados depois que eu voltei de Salvador. Bom, arranjei o trampo nesse bar. Dou uma chegada lá dois dias na semana, rola um samba num dia, rola uma salsa no outro além de muitas surpresas nessa vida de meu deus. E a surpresa da hora foi a seguinte: minha tia passou por lá sem me avisar. E eu nem sabia se ela ainda existia. E isso já faz mais de anos. Achei até que tinha morrido. Mas não. Tá numa sorte que até deus duvida. Fiquei pasmo. Acho que não te falei dessa minha tia, não é? Nós chegamos a morar juntos. Na verdade ela criou o adolescente que eu fui e que eu não me lembro mais... enfim. Eu tava servindo o povo e dançando, como sempre, e tomando umas sem pena, quando me vi nos braços da minha tia descambando o: “quero viver como passarinho / cantar, voar sem direção...” sabe essa? Não via minha tia há tempos. Ela uma vez falou pra mim mais ou menos isso que te falaram de uma oitava acima. E logo depois ela se escafedeu. E olha que a oitava dela nunca foi muito lá embaixo, não. A danada nem envelheceu muito. Só tá usando uns óculos mais fortes e continua bebum. Ela procurava por essa vida as salsas que ela tanto gosta, mas foi parar no bar no dia que rolava o samba. Minha tia dizia que eu só prestava no dia que eu chegava mais cedo em casa e bebia conhaque com ela, que eu era aquele amigo que só tinha dinheiro pra bebidinha, e que se ela precisasse de um remédio eu não me pronunciar. Um coisa essa minha tia. Esse é o jeitão dela. Mas ela me amava, podes crer. Sempre me amou. Mas essa mania de salsa e rumba, cuba libre e um bolero com umas reluzentes lágrimas no fim da noite me enchia, vou te contar. Apesar que eu adoro bolero. Bom, o negócio foi que quando eu abri meus olhos [porque tenho mesmo a mania de dançar de olhos meio fechados], minha tia me olhava com cara de quem via a colheita se deteriorar. ASSSSTOR! Ai, tia, a senhora por aqui? Como me encontrou? Primeiro o cheirinho, me encheu a paciência porque eu tava fumando, depois olhou meus dentes e me mostrou os dela. Depois chorou. Fez um mimimi que só as tias fazem nos nossos ombros e me mostrou, por fim, o senhor de toda a boa sorte dela: um simpático grande homem de vinte e três anos dono de uma ilha lá perto de Angra dos Reis. Ah, Jupira...foi instantânea a alegria. Como foi bom saber de titia. Mas daí acho que apaguei. Desmaiei. Porque acordei com a Celeste esfregando meus pulsos. Recobrei rápido a razão e adivinhei o que minha tia havia feito [sempre ela deu um jeito de esbofetear minhas namoradas], mas não sei se fez desta vez. Celeste, nesse ponto, é um túmulo, daquelas que sofre calada, sabe? Fui lavar o rosto e a cabeça na pia do banheiro. Coloquei a mão no bolso e encontrei um belo cheque de uma grana boa. Fiquei cantando o samba até o dia clarear. Depois fui embora. Agora vou ver se conheço a ilha do namorado de titia. E isso tem que ser rápido, Jupira, porque se mal me lembro, o rapagão, novo como ele só, tá meio... assim, assim... sabe? Não funciona lá muito bem. Você me entende, né? E minha tia [como todas as mulheres da minha família] é quase uma lava vulcânica viva. Jupira, não sei por que, mas tou me sentindo tão brasileiro com esse cheque que ganhei de presente...Será que é decepção com os candidatos presidenciáveis que temos em nossa frente? Ih, grilei!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ex-cêntrica

A falta que esse seu excesso faz em mim é absolutamente igual a quando eu era menina e minha mãe se atrasava pra me buscar na escola e eu ficava à mercê das faxineiras com seus grampos e conversas sobre o preço do patinho e do lagarto. Olhando pra esse seu jeito de ficar perdido, vejo um homem que adoraria ser devorado por bacantes anoréxicas, dessas que ladram mas não mordem, falam mas não dizem, ameaçam mas não se impõem. Pensando bem, acho que também tenho fome. E sede. E apetite. E vontade de sair nua montada numa Harley-Davidson, como uma Lady Godiva from hell, pronta pra sentir o vento bater em locais que não tomam sol. Pensando bem mesmo, não tenho tudo que amo, mas nem por isso caio na asneira de amar tudo que tenho. Deus me livre uma coisa dessas. Imagina só no médico: “-Dona Jupira, a senhora está com falta de lítio”. “-Poxa, doutor, que ótimo!” “-Eu não diria o mesmo, afinal, você terá de tomar remédio pro resto da vida”. “-Não tem problema, estou feliz, o transtorno bipolar é meu e, portanto, digno do meu amor”. Te digo uma coisa, Astor, eu posso ser tudo nessa vida, mas nunca, nunca, serei uma pessoa parada com mil palavras, refém da sintática e da concordância. Imagina, respeito é bom e eu gosto. Comigo, semântica tem que ser subordinada, que nesse mundo de Deus me livre manda quem pode e obedece quem tem juízo. Falando nisso, hoje saí do sério e liguei pra todo mundo com quem briguei nos últimos dois anos. Nem preciso dizer que foram horas no telefone e só não estou totalmente arrependida porque na última ligação ouvi a coisa mais interessante que uma pessoa munida de alguma sanidade pode ouvir, que foi algo mais ou menos assim: “Jupira, só paramos de nos falar porque você sempre esteve uma oitava acima, o que não me permitiu ser concerto pra sua sinfonia”. Fala sério, não é lindo isso? Nem esse pessoal que escreve roteiro pra cinema seria capaz de imaginar uma fala dessas, vai. Fiquei me achando na hora, tô me achando agora e acho que será assim até amanhã de manhã, quando, depois de pedir um descafeinado só pra mim, voltarei à realidade de quem toma remédio pros nervos e não sabe com quantos adjetivos se faz uma pessoa inteira. Nem com quantas vagas lembranças se constrói uma memória.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Réplica para uma liberdade qualquer

Eu estava meio perdido por esse mundão aí. Sabe se perder? Não se perder pra se encontrar. Perder-se mesmo. Até vento bom ventar e te carregar. Uma folha que vira rápida. Uma palavra da doida que te leva pra baixo de um bonde. A sacola da dona que estoura tomates. A mão do guarda que não aponta direito. A asa do condor que se estira parada. Perder assim. Mil agulhas e uma linha. Perder esse. Sabe pessoa com gotas de suor, lágrima, sal do mar na pele, unhas, todas as unhas? Uma pessoa parada com mil palavras, o mundo inteiro de uma pessoa, um campo de batalha de uma pessoa, um ser de uma pessoa, dois seres de uma pessoa, três seres de duas pessoas, amor de cão, rato no muro, tijolo aberto, buraco de fechadura, quarto de casal, de empregada, computador de menino, música toada, sinuca de bico, peixe de pele, escama de pé. Sabe perder-se no domingo? Inferno astral, segundo sol, era de aquário, história de uma mesa, de uma cama, de um copo. Sabe cadeira? Perder-se no sentar, cadeira vazia, borracha queimada, tempo de cheiro. Sabe Cheiro? Perfume quebrado, quarto mofado, poeira de canto, periquito branco, madeira de banco, comida de branco, colher de chá, de sopa, faca de ponta, de gume, de dois. Sabe um Estado? Bahia, Recife, Aracajú, Cajuína, Tindorerê, Tocantins? Sabe fruta doce? Comi uma azeda. Sabe café preto? Nunca vi. Sabe fruta pão? Passo. Esqueci de me vestir, Jupira. Acordei em Setembro. Farinhei tempo. Passeei no arame. Comi salada de veias. Perdi veias, vasos, varizes.

Vi tudo isso que te digo escrito numa placa quando eu ia pra próxima parada.

Eu estava dormindo quando a explosão se deu.

Escrevi tudo isso quando li uma mensagem no meu celular, que dizia assim pra mim: te vi agora.

Eu ia lá e resolvi ficar. Não sei que lugar é esse que estou, mas acho que conheço. Parece uma caixa. Um cinzeiro. Um hotel cinco estrelas. Parece a rua Voltuntários da Pátria. Não sei que lugar é esse. Mas acho que já estive aqui. Mas tudo bem. Eu volto já. Não demoro. A porta está aberta. Tou sem telefone, a bateria acabou e tou sem skype. E não reclamo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Para Linda

Oi, Linda, obrigada por trocar uns dedos de prosa conosco, agradeço sua visita e sua preocupação e, por tudo isso, hoje, mais do que pro Astor, minha fala vai pra você. Em primeiro lugar, me desculpe a demora em escrever, pode parecer estranho, mas a culpa não foi minha. Eu estava com as palavras nas pontas dos dedos, mas essa história de pertencer a uma autora é de lascar. Fico aqui cheia de vontade de fazer novos amigos e tenho que esperar pra interagir com o mundo enquanto a tal se desocupa dos oitocentos editais em que inscreve suas mil e novecentas ideias geniais. Como se eu não conhecesse o tipo. Pois bem, só eu, que nasci (e, portanto, dependo) dela é que sei. Agora, cá pra nós, não tem tempo pra se dedicar ao monólogos, mas vai conferir o blog pessoal dela pra você ver o que é bom pra tosse! De dois em dois dias tem alguma coisa nova. Tudo bem que a maioria é poema, desses que a gente tem que ler várias vezes em voz alta depois de beber quatro caipirinhas pra entender, sabe assim? Mas não vamos ficar aqui falando mal da autora senão vai parecer aquela peça do Pirandello que os personagens ficam vagando procurando um autor, uma coisa de louco. Aliás, quem nessa vida é (ou foi) personagem, não deve nem cogitar assistir essa peça, a não ser que leve um ansiolítico pra dar uma descomprimida básica porque senão o bicho pode pegar e porta anti-pânico, além de não ter em todo lugar, não tira o pânico de ninguém, vamos combinar. Mas, mudando de assunto, vou te falar uma coisa que ainda nem contei pra Astor, portanto, você será a primeira a saber: esses dias, em que a tal esteve ocupadíssima, eu aproveitei o benefício da onipresença que têm os personagens e fui pra Salvador. Menina, que loucura. Pras mulheres que passaram dos trinta aquilo lá é o Éden. É um tal de 'minha branca' pra cá, 'pega na minha mandioca' pra lá, que a pessoa fica toda trabalhada na acrobacia, num nível de emoção que jamais caberia em palavras. Aliás, palavra é uma palavra estranha, né? Olha, depois a gente conversa melhor, infelizmente vou ficando por aqui, que a talzinha precisa usar o computador agora, sabe assim? (um saco!)
Beijomeligaoumechamanoskype.
PS: a propósito, eu e Astor somos do tempo em que amigos não procriavam em cativeiro.

sábado, 10 de julho de 2010

Que tempo é esse?

Acho que os ônibus podem ser considerados espaços pra trânsitos extremos da coletividade e também curiosos lugares pra observar a vida em juízo ou como anda o juízo das pessoas ou simplesmente foder seu juízo com a má educação reinante ou, ou... bem, eu não posso deixar de compartilhar o que me aconteceu ontem voltando pra casa na hora do rush, bairro sem luz, engarrafamento caótico, Centro da Cidade. Olha... que tempo é esse o nosso, hein? (pausa contemplativa estúpida).

Eu sempre tive uma grande atração pela “história das mentalidades”- por causa de uma grande professora na faculdade. Ela praticamente eriçava os pêlos toda vez que dizia isso: “história das mentalidades”. A gente nunca imagina que tem um cara no mundo que de repente começa a estudar as mentalidades. E aí os historiadores dizem cheios de languidez: “história das mentalidades” (pausa contemplativa rascante).

A questão é que de lá pra cá, a partir da professora, meus pêlos também ficam eriçados quando ouço ou leio: “história das mentalidades”. Quase como achar uma chave mestra, uma moeda de ouro antiga, uma caixa de metal da bisavó, enfim. É isso. A verdade é que eu sempre fui interessado no que as pessoas tem dentro da cabeça. Mas uma só pessoa não me interessa tanto. Só num bar, a pessoa alterada. Mas não me entenda mal, não quero com isso dizer que adoro pessoas alcoolizadas o tempo inteiro, pelo contrário. A não ser que eu também esteja bem alcoolizado, porque o cara que não está bêbado ter que suportar quem está... é quase... é realmente insuportável. Mas os bêbados são dóceis. Essa é a verdade. Quando não são é porque o álcool não deixa. (pausa contemplativa pretérita).

Mas voltando à história das mentalidades. O que um período de longa duração pode revelar me deixa bastante curioso. Como não sei muita coisa sobre esse assunto, fico tentando catar, colher, pescar o que alguns grupos de pessoas, quando juntos, podem deixar transparecer. E os ônibus são incríveis. Quando não são incríveis – porque você pode não concordar – é porque o teu juízo tá fodido. (pausa contemplativa estúpida). Convenhamos que a real é que os ônibus podem foder teu juízo. Geralmente por um curto período. Se ao descer do ônibus teu juízo continuar fodido, pode crer, você já faz parte de uma mentalidade que eu não sei qual é. (pausa simplesmente) Será que meu juízo ainda está fodido? (Pausa). Prefiro pensar que só estou mentalmente impressionado com o nosso tempo. Ok.

O ônibus que eu estava não vinha cheio. Encheu quando parou no engarrafamento. Comecei a me perguntar por que as pessoas entravam em um veículo que não andava. Não obtive resposta. As pessoas continuavam a entrar. Entravam e se socavam. Eu que sempre ouvi minha mãezinha dizer que eu quando criança não era gordo, mas era “socado”. (pausa contemplativa sem respiração).

Cinco minutos de trânsito parado. Um senhor entra com seis bolsas de supermercado. Senhor magro, cansado, parecia doente. Pensei: como ele vai levantar essas seis bolsas pra passar na roleta? Ele levantou. Ele conseguiu. Mas uma das bolsas rasgou. Não foi culpa dele. Não se faz mais sacolas como as da Casa da Banha. Eram de papel, lembra? Você não podia colocar a carne que, num engarrafamento como esses, molhava e rasgava a bolsa. Não é nada disso que eu queria contar. Mas espere. (pausa simplesmente).

Uma mulher ao meu lado. Grande. Larga. Cabelos longos grisalhos. Aparentava ter seus quarenta e cinco anos, mais ou menos. Professora de Educação física – ela me disse. Ela queria reclamar do engarrafamento, do ônibus cheio, do ar que começava a ficar murrinhento dentro do veículo. Mas ela não conseguiu. Ela começou logo a dizer sobre uma suposta energia que estava presente ali, naquele momento. Ela vinha de longe. Estava voltando pra casa depois de estar em alguma celebração religiosa onde se bebe alguma coisa e se vê coisa e. Enfim. Ela não mais parou de falar. Havia uma mulher no andar de cima da casa dela que a atingia na madrugada e que sabia onde ela estava em qualquer cômodo da casa. Depois ela me disse que no ano 200 a.C ela era uma bruxa e que todas aquelas bruxas estavam tentando fazer com que ela voltasse pra elas. Depois ela me disse que estava pra abrir um hotel. Depois me disse que eu era uma pessoa boa. Muito boa. Bem. Não sou lá esse poço de bondade, mas tento que não tirem o melhor de mim. De repente ela começou a ver mortos dentro do ônibus. Pensei: se pros vivos não tem mais espaço, o que os mortos vem fazer aqui? Calei meu silêncio. Faltava ela ver duendes. E não é que os duendes também resolveram entrar no ônibus parado? Os duendes estavam animadíssimos, segundo ela. Faziam muita algazzara. Não gosto de duvidar das pessoas. E nem se trata disso. Mas o papo começou a ficar denso. Ela queria se livrar da mulher do andar de cima da casa dela. Eu estava sentado no canto do banco do ônibus. Sair dali ia me dar muito trabalho. Meu pé estava dormente. Mas logo eu esqueci do meu pé direito dormente quando percebi que na verdade ela não queria a morte da vizinha. Mas a própria. Por um instante eu não sabia mais em que mundo eu estava. Se um coelho branco de olhos vermelhos se atracasse ao vidro do ônibus eu não ia me espantar. Ela retirou a bíblia da sua bolsa. Começou a ler os salmos. Contou-me simultaneamente sobre suas várias visões cotidianas e suas vidas passadas – segundo ela foram muitas. Nenhuma recente. Sempre a.C. Nunca d.C. Depois fez menção de me presentear com um pequeno rosário de contas cristalinas que estava em seu pescoço. Mas acho que ela desistiu, não sei por que. Acho que eu queria aquele rosário. Quando percebi, o ônibus tinha andado. E eu já podia descer. O ônibus andou e eu não havia notado. Isso foi desgastante. O tempo parou ali. Despedi-me dela – não perguntei seu nome, e saí do ônibus. Fiquei de longe olhando. A minha mentalidade estava fodida. Meu juízo também. Que corpulenta foi aquela meia hora de engarrafamento. Quão titânicas eram as pessoas. Mas sem paz. Tive vontade de beber. Não cerveja, mas óleo de rícino. Não sei por que. Aquilo tudo foi muito estranho. Eu queria saber mesmo que tempo é esse. Só. Eu que gosto de saber o que tem dentro das cabeças das pessoas, talvez agora queira observar eclipses, peixes, mastruços. Poeiras. É.