quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Loba à deriva

Astor, se eu te contar uma coisa você jura que não conta pra ninguém, mas pra ninguém mesmo? Pensa bem. Pensa bem que esse negócio de jurar é sério, já reparou que a pessoa, além de jurar, deve jurar por alguma coisa? Tipo juro pela minha avó mortinha na cama como sou virgem, sabe assim? Aliás, que exemplinho que eu fui arrumar, imagina, gastar uma jura pra provar que é virgem! Isso era bonito nos tempos de mil novecentos e guaraná com rolha, hoje em dia, o povo quer mesmo é provar que dá. Aliás, quer provar não só que dá, mas que dá muito, porque dar é muito bom e fim de discussão, abafa o caso, respira fundo, evita unha grande e pronto. Esquece esse negócio de hímen, que isso é passado, a onda agora é formar pelado, filho, isso que o povo gosta. Você deve estar estranhando eu falar assim nesse linguajar inapropriado para uma senhora da minha idade e distinção, mas, numa boa, tô precisando colocar pra fora a loba que me habita em noites de lua cheia. Diz que esse negócio de lua muda a maré e se muda a maré por que razão não iria mudar a gente que é setenta por cento de água? Mas não vou falar de astrologia não que não era meu ponto central, apesar de que hoje a Lua está em Gêmeos e Mercúrio, em Virgem, o que torna fundamental não deixar a mente que pensa obstruir a mente que sabe, percebe? Percebe mesmo ou tá querendo se fazer de sensível pras leitoras? Porque também tem isso, né? O personagem tá ali, meio que esperando a fala do outro, passando o subtexto a limpo e de repente se pega com a chance de mostrar que é um homem sensível, quem deixaria passar? Eu se fosse homem não deixaria não, mas não deixaria mesmo. Se bem que não nasci homem nem hermafrodita, sou mulher e no final das contas isso é que importa. Quer dizer, isso que importa no início das contas, no final o que importa mesmo é fazer o que se tem vontade na maior parte do tempo, deixando o tempo onde você faz o que não tem vontade se sentindo besta de existir. É claro que precisamos ter em mente que, mesmo nas melhores famílias, pra fazer o que se quer, é necessário também fazer o que não se quer. Pensando bem, se editar essa última frase dá pra colocar na traseira de um caminhão e viajar o Brasil, o que você acha? Vamos viajar? Eu e você? A gente se rebela e vai, ganha mundo, mochila nas costas, umas ideias na cabeça, um motelzinho de beira de estrada e pronto: fazemos nossa versão de Thelma e Louise, aquele filme, lembra desse filme? É incrível, o final então, elas saindo de cena desfiladeiro abaixo, de mãos dadas, que poesia aquilo. E nem venha me dizer que elas eram lésbicas que uma delas inclusive era bem comida à beça. A outra, não, a outra apanhava do marido inclusive, acho que o diretor quis dar esse contraste, esse balanço, essa coisa dialética ao filme, será? Nunca sei o que se passa na cabeça desse pessoal de cinema. Não sei nem quero saber, mas também não tenho raiva de quem sabe que raiva é um sentimento muito ruim, eu, por exemplo, quando tô raivosa, fico com umas olheiras no pé, uma coisa muito feia. E, vamos combinar, antes que haja uma revolução estética sem precedentes: tudo que os olhos querem ver no mundo é beleza. Agora chega, melhor eu ir dormir antes que fique tarde e meu corretivo vença. Sei que uma vez te disse que não usava maquiagem, mas corretivo não é maquiagem, corretivo é dignidade pastosa, ante-sala do olhar 43, escada rolante pra vontade de parecer mais jovem. Eu poderia inclusive ficar horas aqui falando de truques, mas, agora, justamente agora, não estou nem podendo mais fingir que estou fingindo cada vez pior e quando a situação chega nesse ponto, meu querido, corretivo é o de menos e o melhor braço do mercado é o de Morfeu. Só te peço pra pensar em tudo que te falei. Mas pensa com a mente que sabe. Depois me conta que desde já eu quero saber.

Um comentário:

  1. hahahaha muito bom!!! Dignidade pastosa, entre outras sabedorias de 1/2 idade. Amei!

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