segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mesma matéria

O feminino de poeta pode ser tanto poeta como poetisa, mas isso não tem absolutamente a menor importância se formos levar em conta que o que não falta nesse mundo de Deus me livre é gente que se acha poeta, não é mesmo? Pra mim o mais complicado é essa definição. O que faz de uma pessoa poeta? Ou cronista? Ou romancista? Ou roteirista? Porque o médico faz faculdade de medicina, o engenheiro, de engenharia, a professora de pilates, de fisioterapia, mas e o escultor de palavras, precisa do quê pra se considerar um artista? Penso muito nisso e, sinceramente, sem querer te magoar nem te tirar a fé no mundo, esse negócio de citar muita coisa, além de nunca ter feito de ninguém um ás na elaboração criativa, é um perigo, porque chega uma determinada hora que não sabemos mais o que é citação, o que é originalidade e o que é puro onanismo estético. Porque, numa boa, punheta eu até encaro, afinal, pau bom é o que tá na minha mão, mas onanismo estético já é meio demais pra mim. Outro dia, inclusive, conheci um personagem de comédias românticas, dessas onde o casal protagonista sempre acaba feliz no final, dizendo eu te amo e você é a luz da minha vida, depois de cada um ter comido todo o elenco, incluindo o pessoal da técnica, que afinal de contas é filho de Deus e também precisa se alimentar. Pois então, esse personagem me contou que, depois que começou a fazer esse tipo de trabalho, passou a reparar que volta e meia, sem perceber, se pegava citando Leminski, Shakespeare e Lope de Vega e que isso, por mais que aumentasse o sucesso com o sexo oposto, aumentava também, em igual proporção, a incidência de conversas desconexas que em nada colaboravam pra construção de uma relação saudável, fosse ela de sexo casual, de amor ou de monogamia. A propósito, a monogamia caiu com a reforma ortográfica? E os pingos nos is, você sabe se caíram? Estou tão confusa hoje, Astor, que seria capaz de andar da minha casa até Salvador levando comigo só água e sonhos. Não os de padaria, mas aqueles dos quais a gente nunca desiste, independente do passar do tempo, da gravidade, da perda de colágeno e da incapacidade de rir da nossa própria ignorância, sabe? Te pergunto isso mas lá no fundo tenho a certeza de que você entende tudo que eu falo, porque em você também bate um coração de personagem, que nem o do homem de lata do Mágico de Oz. Nós somos feitos da mesma matéria, meu querido, e isso ninguém tira de nós. Nem o Papa, nem a Santa Ceia e muito menos um punhado de onanista que acha que é superior porque leu meia dúzia de livros e aprendeu a citar autores elegantes. Falando nisso, me lembrei agora que uma vez tava conversando com um autor elegante (mas elegante mesmo) e ele me disse o seguinte: "até gosto quando sou citado, mas, cá pra nós, prefiro ser excitado". Não foi demais essa? Não preciso nem dizer que em menos de cinco minutos o pau dele já tava na minha mão e a mão dele na minha tatuagem escondida. Mas não vou me estender nesse assunto senão fico úmida e intensa e aí a coisa pega de uma maneira que nem eu mesma dou conta, sabe assim? Mas fica frio que esse episódio vai entrar na minha biografia não-autorizada, pode deixar. Agora preciso ir mesmo que tenho hora no salão. O de beleza, claro. Vou fazer minha primeira escova possessiva. Tomara que dê certo. E que não chova. E que eu não fique com aquela mania de toda hora me olhar no espelho como se não houvesse nada mais importante na vida. Mas isso te conto depois. Se cuida, querido, e lembre-se: nós dois somos um e tudo é uma coisa só.

3 comentários:

  1. Oh leitura boa pra um finalzinho de domingo!
    é o pessoal da técnica é filho de Deus tb! Concordo! rsrsrs
    Juripira arrasando!

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  2. nossa jupira, assim vc me deixa toda arrepiada, em extase!!! artista é a buceta né? rs

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  3. ou como diz o poeta Affonso Romano de Sant' Anna: "Uma coisa é a letra, o outro o ato, quem toma uma por outra confunde e mente."

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