domingo, 29 de agosto de 2010
Esculpindo nuvens
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
No pátio de pedras perfeitas de H.
O criador e a criatura vão perecendo durante o caminho. Não me pergunte o que eu quis dizer com isso. Só sei que já disse.
Meu criador não me leva muito com ele. Por isso ando por aí sem rosto. Mas há tempos, Jupira, que incido sobre pontos, vírgulas, raízes e palavras de cartas dele. Não fico de lado, não. Não fico amarfanhado como se pensa. Vez em quando grito meu uivo também. E ando com vontade de dizer muitas tolices como um bufão. Dizer coisa sem coisa, nem lé nem cré, inventar nova língua, idioma sem concordes, vogais bucólicas, uma sanha verde. Queria mesmo ir a todos os lugares a pé, como se fazia em tempos imemoriais [tou com mania dessa palavra]. Estive por aí nesse lugar que você foi com sua dona (?dona?) – é que há essa sanha dos criadores que eu gostaria de contar. Mas ainda não vejo nada disso direito. Então deixe que eles sejam os donos. Nesse lugar que você foi, eu vi as cadeiras
Hoje dei uma volta no quarteirão. Pra nada. Seria melhor andar naquele “pátio de pedras perfeitas” de H. Tenho uma saudade de H. que você nem sabe. De vez em quando deixo de visitar H. só pra poder fazer a visita no dia seguinte [?]. Mas se visito H. procuro não acordá-la. Ela pode se chatear. Se bem que sempre visito H. com um copo de “alcoólicas” na mão. Pra ela rir um pouco. Daí você colocou suas palavras pra leitora budista, e eu decidi colocar pra H. Meu corpo está em estado de “potlatch”. Nunca mais me livro dessa maldição. Isso me emociona e me liberta. Sonho com as tribos indígenas que Maus falava. Achei até uns brilhantes de minha tia que estavam escondidos em uma velha panela de pressão. Explodi os brilhantes e fiquei com a panela de pressão intacta. Valeu-me muito mais. Se bem que tenho pavor de duas coisas na vida: raios e panela de pressão ligada. Deve ser porque também tenho raios no sangue e pressão, umas artérias e todas aquelas coisas de dentro que são horríveis. Pros raios que partam.
H. era assustada e corajosa. Uma coragem que me comove ainda hoje. Só me lembrar da palavra que ela mais dizia quando via um ser (humano) que ela admirava: “deslumbrante”. Quando passei a ouvir isso de H. me bateu uma comoção tão forte, sabe, Jupira? Não há coisa mais incrível quando você reconhece que alguém como nós, meros mortais sem “deus dos sem deuses” é deslumbrante. Acho essa palavra a coisa mais fina. O melhor dos segundos de amor e humildade que alguém pode sentir ou ter. Ah. Dei pra sonhar com vôo. Com tudo que voa. Dei pra sonhar também com composições musicais. Mas não me lembro de nenhuma. Só as que já sei mesmo.
Em que lugar você está agora, Jupira? Coexistes?
Eu estou aqui no meio do “pátio de pedras perfeitas” de H.
A grande figueira venta na minha cara. Nos meus pés tem muita liberdade e trem de ferro.
Estou fritando um peixe.
- “Queres o peixe na manteiga ou no mijo?”
- “Vai fritando. Falavas?”
- “Falava que não há salvação, pois coexistes.”
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Para a leitora budista
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Memórias, miríades...
Sua avó parece ter sido incrível, hein, Jupira? As avós sempre deixam essas marcas de amor por onde passam. Eu que não conheci minha avó... Como já disse, só tenho minha tia, que já está se tornando uma avó. Meio biruta-meio amorosa, pode crer. Eu voltei da Ilha, mas ela ficou. A força dela está como se tivesse alcançado dez pontos naquela escala que mede tremores de terra, sabe qual é? Que tem um nome difícil de escrever. Você me entendeu. Ela tinha muitos tremores. Febres. Ainda bem que o caríssimo jovem que lhe rende paixão gosta de rumbas e salsas, porque sem essas, minha tia não vive. Ela sempre amou Cuba por demais. Minha tia me criou desde muito pequeno, porque minha mãe virou uma grandiosa águia e partiu com uma cobra enrolada no pescoço (eu tenho mania dessa imagem). Não sei se eu seria a cobra ou a águia. Talvez o vão entre as duas. Ou o perigo ameaçador que uma causa à outra. E a pulsão de continuar voando.
Um dia conheci mamãe. Linda. Exuberante. Deslumbrante mesmo. Eu não era mais menino, mas minha tia me soltou naquele lugar que até hoje não sei onde fica – porque eu fui com uma venda nos olhos – pra conhecer a mulher que me pariu. Ela não sabia que eu era seu filho, mas me serviu um belo café da manhã no seu restaurante. Ela tinha uma cobra tatuada no ombro direito. Usava um vestido vermelho com alças finas, desses que hoje não se vê mais. Bem, eu nunca mais vi esse vestido. Esvoaçante. Com um laço discreto na cintura. Então eu estava ali... frente a desvendar todo o mistério que envolvia a figura de minha mãe. Mas preferi tomar meu café e ir embora. Eu comecei a respeitar meus mistérios, sabe? É melhor que todos os mistérios fiquem como mistérios. Se eu deslindasse a aura de mamãe, eu poderia transformar tudo em míseras migalhas de pão no prato. Ela parecia bem feliz ali naquele lugar que eu não sei te descrever. Recoloquei minha confortável venda e segui
Voltamos eu e minha tia em sua velha brasília azul-rei. Depois de uma longa estrada e muitas salsas no caminho, paramos pra almoçar um belo pato com laranja. Eu que tinha pavor de comer pato desde tempos memoráveis. Lembro-me que quando vi meu primeiro pato assado na mesa, feito por titia, eu chorei. Mas veja isso. Veja bem as pessoas que sabem fazem isso que vou lhe dizer: minha tia escondeu o pato, não sem antes me dizer que o havia jogado no lixo. E pro jantar fez bolinhos. Dizendo que eram coxinhas de galinha. Devorei o pato como uma bela galinha.
Bem, almoçamos o pato em um restaurante daquela estrada cheia de poeira. Dali partimos de volta ao nosso mundo naquela velha vila no meio do nosso vale preferido. Naquele dia nós ouvimos todas as rumbas que podíamos. Dançamos como sempre. E bebemos nosso vinho seco. E mais uma vez, ao final da madrugada, minha tia berrava seus boleros abraçada com a imagem de São Benedito. E eu ria.
Eram quase seis horas da manhã, na marambaia _ou seria na Guanabara?_ quando o vermelhusco batom riscou os lábios grossos antes de minha tia ir para o trabalho. Ela foi. E eu padeci no sono da manhã.
domingo, 15 de agosto de 2010
Nanã
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Sou brasileiro imperador!
Arrumei um emprego em um bar onde o pessoal é animado pacas, Jupira. Eu andava meio durango kid e resolvi ganhar uns trocados. Nesse meio tempo, apareceu a Celeste que cismou que queria casar comigo, mas na verdade ela só queria mesmo é um ombro pra chorar. A gente já conversou sobre isso, não é? Essa mania que esse pessoal do nosso tempo tem de fazer do amor uma terapia, ou fazer do amor um terapeuta. Você me entendeu. Mas isso não interessa muito porque o que eu precisava mesmo era de uns trocados depois que eu voltei de Salvador. Bom, arranjei o trampo nesse bar. Dou uma chegada lá dois dias na semana, rola um samba num dia, rola uma salsa no outro além de muitas surpresas nessa vida de meu deus. E a surpresa da hora foi a seguinte: minha tia passou por lá sem me avisar. E eu nem sabia se ela ainda existia. E isso já faz mais de anos. Achei até que tinha morrido. Mas não. Tá numa sorte que até deus duvida. Fiquei pasmo. Acho que não te falei dessa minha tia, não é? Nós chegamos a morar juntos. Na verdade ela criou o adolescente que eu fui e que eu não me lembro mais... enfim. Eu tava servindo o povo e dançando, como sempre, e tomando umas sem pena, quando me vi nos braços da minha tia descambando o: “quero viver como passarinho / cantar, voar sem direção...” sabe essa? Não via minha tia há tempos. Ela uma vez falou pra mim mais ou menos isso que te falaram de uma oitava acima. E logo depois ela se escafedeu. E olha que a oitava dela nunca foi muito lá embaixo, não. A danada nem envelheceu muito. Só tá usando uns óculos mais fortes e continua bebum. Ela procurava por essa vida as salsas que ela tanto gosta, mas foi parar no bar no dia que rolava o samba. Minha tia dizia que eu só prestava no dia que eu chegava mais cedo em casa e bebia conhaque com ela, que eu era aquele amigo que só tinha dinheiro pra bebidinha, e que se ela precisasse de um remédio eu não me pronunciar. Um coisa essa minha tia. Esse é o jeitão dela. Mas ela me amava, podes crer. Sempre me amou. Mas essa mania de salsa e rumba, cuba libre e um bolero com umas reluzentes lágrimas no fim da noite me enchia, vou te contar. Apesar que eu adoro bolero. Bom, o negócio foi que quando eu abri meus olhos [porque tenho mesmo a mania de dançar de olhos meio fechados], minha tia me olhava com cara de quem via a colheita se deteriorar. ASSSSTOR! Ai, tia, a senhora por aqui? Como me encontrou? Primeiro o cheirinho, me encheu a paciência porque eu tava fumando, depois olhou meus dentes e me mostrou os dela. Depois chorou. Fez um mimimi que só as tias fazem nos nossos ombros e me mostrou, por fim, o senhor de toda a boa sorte dela: um simpático grande homem de vinte e três anos dono de uma ilha lá perto de Angra dos Reis. Ah, Jupira...foi instantânea a alegria. Como foi bom saber de titia. Mas daí acho que apaguei. Desmaiei. Porque acordei com a Celeste esfregando meus pulsos. Recobrei rápido a razão e adivinhei o que minha tia havia feito [sempre ela deu um jeito de esbofetear minhas namoradas], mas não sei se fez desta vez. Celeste, nesse ponto, é um túmulo, daquelas que sofre calada, sabe? Fui lavar o rosto e a cabeça na pia do banheiro. Coloquei a mão no bolso e encontrei um belo cheque de uma grana boa. Fiquei cantando o samba até o dia clarear. Depois fui embora. Agora vou ver se conheço a ilha do namorado de titia. E isso tem que ser rápido, Jupira, porque se mal me lembro, o rapagão, novo como ele só, tá meio... assim, assim... sabe? Não funciona lá muito bem. Você me entende, né? E minha tia [como todas as mulheres da minha família] é quase uma lava vulcânica viva. Jupira, não sei por que, mas tou me sentindo tão brasileiro com esse cheque que ganhei de presente...Será que é decepção com os candidatos presidenciáveis que temos em nossa frente? Ih, grilei!
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Ex-cêntrica
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Réplica para uma liberdade qualquer
Eu estava meio perdido por esse mundão aí. Sabe se perder? Não se perder pra se encontrar. Perder-se mesmo. Até vento bom ventar e te carregar. Uma folha que vira rápida. Uma palavra da doida que te leva pra baixo de um bonde. A sacola da dona que estoura tomates. A mão do guarda que não aponta direito. A asa do condor que se estira parada. Perder assim. Mil agulhas e uma linha. Perder esse. Sabe pessoa com gotas de suor, lágrima, sal do mar na pele, unhas, todas as unhas? Uma pessoa parada com mil palavras, o mundo inteiro de uma pessoa, um campo de batalha de uma pessoa, um ser de uma pessoa, dois seres de uma pessoa, três seres de duas pessoas, amor de cão, rato no muro, tijolo aberto, buraco de fechadura, quarto de casal, de empregada, computador de menino, música toada, sinuca de bico, peixe de pele, escama de pé. Sabe perder-se no domingo? Inferno astral, segundo sol, era de aquário, história de uma mesa, de uma cama, de um copo. Sabe cadeira? Perder-se no sentar, cadeira vazia, borracha queimada, tempo de cheiro. Sabe Cheiro? Perfume quebrado, quarto mofado, poeira de canto, periquito branco, madeira de banco, comida de branco, colher de chá, de sopa, faca de ponta, de gume, de dois. Sabe um Estado? Bahia, Recife, Aracajú, Cajuína, Tindorerê, Tocantins? Sabe fruta doce? Comi uma azeda. Sabe café preto? Nunca vi. Sabe fruta pão? Passo. Esqueci de me vestir, Jupira. Acordei
Vi tudo isso que te digo escrito numa placa quando eu ia pra próxima parada.
Eu estava dormindo quando a explosão se deu.
Escrevi tudo isso quando li uma mensagem no meu celular, que dizia assim pra mim: te vi agora.
Eu ia lá e resolvi ficar. Não sei que lugar é esse que estou, mas acho que conheço. Parece uma caixa. Um cinzeiro. Um hotel cinco estrelas. Parece a rua Voltuntários da Pátria. Não sei que lugar é esse. Mas acho que já estive aqui. Mas tudo bem. Eu volto já. Não demoro. A porta está aberta. Tou sem telefone, a bateria acabou e tou sem skype. E não reclamo.