terça-feira, 17 de agosto de 2010

Memórias, miríades...

Sua avó parece ter sido incrível, hein, Jupira? As avós sempre deixam essas marcas de amor por onde passam. Eu que não conheci minha avó... Como já disse, só tenho minha tia, que já está se tornando uma avó. Meio biruta-meio amorosa, pode crer. Eu voltei da Ilha, mas ela ficou. A força dela está como se tivesse alcançado dez pontos naquela escala que mede tremores de terra, sabe qual é? Que tem um nome difícil de escrever. Você me entendeu. Ela tinha muitos tremores. Febres. Ainda bem que o caríssimo jovem que lhe rende paixão gosta de rumbas e salsas, porque sem essas, minha tia não vive. Ela sempre amou Cuba por demais. Minha tia me criou desde muito pequeno, porque minha mãe virou uma grandiosa águia e partiu com uma cobra enrolada no pescoço (eu tenho mania dessa imagem). Não sei se eu seria a cobra ou a águia. Talvez o vão entre as duas. Ou o perigo ameaçador que uma causa à outra. E a pulsão de continuar voando.

Um dia conheci mamãe. Linda. Exuberante. Deslumbrante mesmo. Eu não era mais menino, mas minha tia me soltou naquele lugar que até hoje não sei onde fica – porque eu fui com uma venda nos olhos – pra conhecer a mulher que me pariu. Ela não sabia que eu era seu filho, mas me serviu um belo café da manhã no seu restaurante. Ela tinha uma cobra tatuada no ombro direito. Usava um vestido vermelho com alças finas, desses que hoje não se vê mais. Bem, eu nunca mais vi esse vestido. Esvoaçante. Com um laço discreto na cintura. Então eu estava ali... frente a desvendar todo o mistério que envolvia a figura de minha mãe. Mas preferi tomar meu café e ir embora. Eu comecei a respeitar meus mistérios, sabe? É melhor que todos os mistérios fiquem como mistérios. Se eu deslindasse a aura de mamãe, eu poderia transformar tudo em míseras migalhas de pão no prato. Ela parecia bem feliz ali naquele lugar que eu não sei te descrever. Recoloquei minha confortável venda e segui em frente. Mãe é quem cria. Mãe é aquela que sabe e não aquela que procura saber. Bastou-me ver que a mulher que me pôs no mundo era incrível, deslumbrante.

Voltamos eu e minha tia em sua velha brasília azul-rei. Depois de uma longa estrada e muitas salsas no caminho, paramos pra almoçar um belo pato com laranja. Eu que tinha pavor de comer pato desde tempos memoráveis. Lembro-me que quando vi meu primeiro pato assado na mesa, feito por titia, eu chorei. Mas veja isso. Veja bem as pessoas que sabem fazem isso que vou lhe dizer: minha tia escondeu o pato, não sem antes me dizer que o havia jogado no lixo. E pro jantar fez bolinhos. Dizendo que eram coxinhas de galinha. Devorei o pato como uma bela galinha.

Bem, almoçamos o pato em um restaurante daquela estrada cheia de poeira. Dali partimos de volta ao nosso mundo naquela velha vila no meio do nosso vale preferido. Naquele dia nós ouvimos todas as rumbas que podíamos. Dançamos como sempre. E bebemos nosso vinho seco. E mais uma vez, ao final da madrugada, minha tia berrava seus boleros abraçada com a imagem de São Benedito. E eu ria.

Eram quase seis horas da manhã, na marambaia _ou seria na Guanabara?_ quando o vermelhusco batom riscou os lábios grossos antes de minha tia ir para o trabalho. Ela foi. E eu padeci no sono da manhã.

7 comentários:

  1. Astor, vou te falar uma coisa: você não é mole não, esse seu post não me engana, com essa foto de vestidinho na cama, falando de mãe belíssima...
    Vc é um Édipo dos bons.
    Ainda bem que Jupira não dá pra Jocasta.
    Bjos,

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  2. Astor & Jupira,
    esses dois posts estão puro luxo! De tipo que a gente abre o peito e se rasga toda...
    Merecem estar em um livro!
    Beijo
    e
    Parabéns

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  3. tudo bem que "só as mães são felizes", mas eu nunca quis comer a minha mãezinha...

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  4. Poliana... não, não. Não sei se sou um Édipo em potencial...Mas pense bem. Ponha-se no meu lugar? Ver a sua mãe assim...daquele jeito...e sabe que não sei o nome dela? Acho que era alguma coisa parecida com Otávia. Acho. Não quis saber.

    Flávia Candida, um grande prazer ler o seu comentário. Eu acho assim, Flávia...a vida é realmente um luxo. A gente contando a vida desse jeito ela parece ser mais luxuosa, não? Eu queria ser capaz de escrever um livro com Jupira. Será que conseguimos, hein, Jupira? Jupira... Jupira...? Onde está você?

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  5. Estou aqui, Astor, meu camafeu, minha ambrosia, adoraria escrever um livro com você, já tenho até um modelito pra noite de autógrafos. Aliás, esquece a Poliana, ela tá escrevendo poesias naquele blog dela lá...
    Se concentra em mim que é mais jogo.
    Um beijo grande,
    Juju.

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  6. Astor, você me ignorou? só porque postei como anônimo? e se eu for uma bela mulher como essas daí de cima? será que você me dá um mínimo de atenção? hein?

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  7. Jupira, vc que é uma ambrosia.. rs.

    anônimo. desculpe, mas não sei o que dizer. mas seja sempre bem vindo (a).

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