quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ex-cêntrica

A falta que esse seu excesso faz em mim é absolutamente igual a quando eu era menina e minha mãe se atrasava pra me buscar na escola e eu ficava à mercê das faxineiras com seus grampos e conversas sobre o preço do patinho e do lagarto. Olhando pra esse seu jeito de ficar perdido, vejo um homem que adoraria ser devorado por bacantes anoréxicas, dessas que ladram mas não mordem, falam mas não dizem, ameaçam mas não se impõem. Pensando bem, acho que também tenho fome. E sede. E apetite. E vontade de sair nua montada numa Harley-Davidson, como uma Lady Godiva from hell, pronta pra sentir o vento bater em locais que não tomam sol. Pensando bem mesmo, não tenho tudo que amo, mas nem por isso caio na asneira de amar tudo que tenho. Deus me livre uma coisa dessas. Imagina só no médico: “-Dona Jupira, a senhora está com falta de lítio”. “-Poxa, doutor, que ótimo!” “-Eu não diria o mesmo, afinal, você terá de tomar remédio pro resto da vida”. “-Não tem problema, estou feliz, o transtorno bipolar é meu e, portanto, digno do meu amor”. Te digo uma coisa, Astor, eu posso ser tudo nessa vida, mas nunca, nunca, serei uma pessoa parada com mil palavras, refém da sintática e da concordância. Imagina, respeito é bom e eu gosto. Comigo, semântica tem que ser subordinada, que nesse mundo de Deus me livre manda quem pode e obedece quem tem juízo. Falando nisso, hoje saí do sério e liguei pra todo mundo com quem briguei nos últimos dois anos. Nem preciso dizer que foram horas no telefone e só não estou totalmente arrependida porque na última ligação ouvi a coisa mais interessante que uma pessoa munida de alguma sanidade pode ouvir, que foi algo mais ou menos assim: “Jupira, só paramos de nos falar porque você sempre esteve uma oitava acima, o que não me permitiu ser concerto pra sua sinfonia”. Fala sério, não é lindo isso? Nem esse pessoal que escreve roteiro pra cinema seria capaz de imaginar uma fala dessas, vai. Fiquei me achando na hora, tô me achando agora e acho que será assim até amanhã de manhã, quando, depois de pedir um descafeinado só pra mim, voltarei à realidade de quem toma remédio pros nervos e não sabe com quantos adjetivos se faz uma pessoa inteira. Nem com quantas vagas lembranças se constrói uma memória.

4 comentários:

  1. jupira vc é muito afinada, merece uma suite numero 1 em sol maior..(:

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  2. A possibilidade de materializar a imaginação é fabuloso nem por isso digna de amor. subjetivo sem adestrador neural.

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  3. obrigada, semiótica, sol maior aquece a alma.

    anônimo, o que seria adestrador neural?

    obrigada pelas visitas.

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  4. Estive um tempo afastada da internet, mas confesso que gostei muito desse texto, dona Jupira.

    Também queria saber o que é adestrador neural...

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