quarta-feira, 7 de julho de 2010

SSD

Outro dia ouvi um diálogo no ônibus pra lá de curioso, Astor. Eram duas mulheres assim da minha idade, entre trinta e cinco e quarenta anos, elas falavam meio alto e, mesmo se eu não quisesse, acabaria ouvindo a conversa delas. Uma era loira, provavelmente do pentelho preto, porque a sobrancelha denunciava uma carga genética adulterada pela água oxigenada. A outra era negra com um cabelo assim meio Grace Jones, lembra da Grace Jones? Pois bem, a loira do pentelho preto perguntou pra outra se a outra sabia quem ela comeria. Pra começar, achei muito feio elas falarem desse modo, onde já se viu, se referir ao amor dessa forma? Daí, a Grace Jones wanna be ficou curiosa e quis saber quem a amiga comeria e teve que engolir que o mancebo em questão era o irmãozinho dela de vinte e cinco anos, um menino que ainda gosta de playstation. Grace ficou tão aborrecida que chegou a acusar a amiga de pedófila, mas acabou sendo convencida pela outra que o garoto, apesar da pouca idade, já tinha adquirido uma postura de homem e havia inclusive parado de olhar pros peitos dela enquanto conversavam sobre os arcanos maiores e menores do tarô. Disse ainda que o menino pelo menos era uma pessoa da qual tinha referência e a ajudaria a se livrar da SSD que a acometia. Aí fiquei nervosa, porque não fazia ideia do que essa sigla significava e já tinha até perdido meu ponto só pra poder ouvir a história até o fim. Pois bem, papo vai papo vem, num determinado momento, a loira disse que sexo com desconhecidos tinha a vantagem de, mesmo nas vezes em que não era lá essas coisas, pelo menos não carregar consigo a necessidade de uma conversa para destrinchar as causas de uma ejaculação precoce ou de um ressecamento vaginal, essas eventualidades que acontecem quando você não sabe muito bem com quem está lidando. Foi então que entendi que SSD só podia ser a sigla para Síndrome do Sexo com Desconhecidos. Às vezes acho que eu podia ter feito Antropologia ao invés de Pedagogia, tenho esse feeling, sabe, Astor? Essa coisa de entender de um jeito peculiar as pessoas e seus comportamentos em relação ao grupo a que pertencem, acho que sou uma Margareth Mead wanna be, mas, enfim, voltando às duas, elas terminaram chegando num acordo em que uma poderia, sim, fazer sexo com o irmão da outra desde que não enfiasse o dedo em locais de onde o mesmo jamais sairia limpo. Fiquei tão horrorizada com aquilo, quem elas pensam que são pra falar em altos brados num coletivo dessa forma tão vulgar? Será que elas não percebem que têm um nome a zerar? A coisa me abalou de tal forma que, como eu já tava no ponto final e teria mesmo que esperar pelo menos meia hora até o próximo ônibus sair, sentei pra tomar uma batida de gengibre num desses botequins cariocas que imitam botequim paulista imitando botequim carioca, sabe? Foi até legal, tinha me esquecido de como era bom beber sozinha, sem ninguém pra me dizer a hora de pedir a conta ou uma água. Onde já se viu isso, pedir água em botequim? Água eu bebo em casa, que lutei muito pra conseguir minhas coisas e não vou sair por aí gastando feito uma perdulária descontrolada. Nem te contei, mas tô economizando à beça pra congelar meus óvulos e deixar pra depois essa coisa de decidir se quero ou não ser mãe, o que, venhamos e convenhamos, é muito mais importante do que me hidratar num botequim que nem sequer tem personalidade pra ser típico de lugar algum.

9 comentários:

  1. Qual o problema de gostar de playstation?

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  2. Caro visitante anônimo, não há mal algum em gostar de playstation, o que pega é não saber mexer no joystick, mas esse não parecia ser o caso do rapaz em questão.

    Obrigada pela visita, volte sempre.

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  3. amanhã se toma a responsabilitina, a glamogobulina e a gente sara... :P

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  4. margareth mead wanna be, grace e a lora do pentelho preto no 473 ? q q isso nem??? arrasou jupira!

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  5. Caro Rodrigo, eu tomo juízo todos os dias, meu médico receitou há tempos e, como contei mais acima, gostaria que as moças do ônibus tomassem também!

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  6. Não era 473, mas acho importante você tentar acertar a linha do ônibus, Semiótica, a busca por significados lhe cai muito bem.

    Volte sempre!

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  7. mas, jupira, não tome tanto juízo assim... os médicos não costumam saber muito bem das coisas hoje em dia. a cada consulta: cem reais e uma colher de juízo? hum. ê vidaloka! ;)

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  8. Concordo com você, Rodrigo, mas, se eu não tomar juízo todo dia, perco totalmente a noção do razoável.

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  9. Jupira, eu ainda me espanto com conversas que escuto no ônibus! É impressionante como as pessoas abstraem completamente e imaginam que não estão sendo ouvidas, só pode ser. Dá pra colher verdadeiras pérolas no meio de conversas aleatórias!
    Esse blog ta divertidíssimo! Ri demais do Savana Onírica tb! Não entendo essas mulheres que precisam se meter na vida dos outros!

    Beijocas

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