terça-feira, 30 de novembro de 2010

Amor sem vintém

Falar de amor é como contar das bandalhas que se faz em plena luz do dia com sinal verde e sem vistoria, sem destino e sem possibilidade de regresso, numa bifurcação infinita, numa pracinha pequena e redonda. É como quando a noite cai, a temperatura fria [esfria] e o silêncio do nada faz ficar insone pra pensar nos delírios que se comete em nome do amor. É o mesmo que perceber o quanto a leve aguinha pesa nos olhos, por vezes muito mais que a onipresença mascarada do ego que não deixa que se assuma a falta de amor próprio e a expansão daninha da flor do ciúme. Ufa.

Ah, não adianta querer ir embora, Jupira. Pelos quatro cantos e em cada face santificada depois da hecatombe do amor, ainda há coexistências mil. Mas é gozado, mesmo seguindo por aí como fugitivo, depois de uma marota vacina, parece que ainda se transmite um vírus e se causa mal a qualquer um que se encontra pelo caminho...

No amor se descobre o quanto de bem e de mal se pode fazer. Até chá de veneno na cerveja dele depois de dizer que cão sem dono é bobo e cu sem dono é cu de bêbado. E depois sair com coragem madrugada afora procurando a casa que se deixou pra trás depois de dar duas facadas na mão do marido, depois de acordar o pobre coisificado que tentava dormir. Mulher é bicho ruim, ela diz. Correu e gritou pelas quatro e tantas daquelas horas que eram, pelas quatro esquinas daquela noite tórrida, pelas quatro meias estações que passaram duras em dois segundos pelos olhos e pelas sombras...e o marido correndo feito cego de sonos torpes pedindo perdão. Dói. Dói. Dói meu coração de boi. Um amor faz sofrer. E dois amores? Dois amores e quatro filhos te fazem é morrer de dar pensão, ô cara! Cuidado que a polícia vem aí. Em Mangueira se tem alvorada. Amor do alto, amor do chão, amor de morte, amor de cão. Amor sem um vintém. Mas com cachaça pra dar e revidar, vender nunca. Mulher é bicho ruim, ela tornava a dizer. Gritou pela rua. Acordou o deus dos cem-deuses e cuspiu na cara da avó. Aquela avó que era tudo vejam só. Depois saiu atrás do matuto que não era matuto. Sumiu na chuva. E depois ela fez o mesmo, na neblina. Foi a vontade de virar folha, melaço, alguma coisa doce ou leve pra adormecer sem sentir a cama mole e vazia. Homem é bicho burro, ele disse. Quase foi preso porque não pagou pensão. E ela quase morre de bebida. No fim não era ruim. Mulher ruim não morre assim. Ela morria. Morria fácil, fácil. Tanto mal, tanto bem. No fim nada disso tinha nome. Era só amor. Daqueles de mentir, sabe? Mentir amando, inverter fatos, fazer dramas...amor daqueles de briga sem pedir desculpas. Amor daqueles de culpa, de ser todo mundo culpado. Amor daqueles de tempo. De pedir tempo. Amor daqueles de dizer que se ama e que se tem cuidado pra não fazer ruindade. Amor daqueles de só querer paz.

Era só isso [o amor]?

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