sábado, 10 de julho de 2010

Que tempo é esse?

Acho que os ônibus podem ser considerados espaços pra trânsitos extremos da coletividade e também curiosos lugares pra observar a vida em juízo ou como anda o juízo das pessoas ou simplesmente foder seu juízo com a má educação reinante ou, ou... bem, eu não posso deixar de compartilhar o que me aconteceu ontem voltando pra casa na hora do rush, bairro sem luz, engarrafamento caótico, Centro da Cidade. Olha... que tempo é esse o nosso, hein? (pausa contemplativa estúpida).

Eu sempre tive uma grande atração pela “história das mentalidades”- por causa de uma grande professora na faculdade. Ela praticamente eriçava os pêlos toda vez que dizia isso: “história das mentalidades”. A gente nunca imagina que tem um cara no mundo que de repente começa a estudar as mentalidades. E aí os historiadores dizem cheios de languidez: “história das mentalidades” (pausa contemplativa rascante).

A questão é que de lá pra cá, a partir da professora, meus pêlos também ficam eriçados quando ouço ou leio: “história das mentalidades”. Quase como achar uma chave mestra, uma moeda de ouro antiga, uma caixa de metal da bisavó, enfim. É isso. A verdade é que eu sempre fui interessado no que as pessoas tem dentro da cabeça. Mas uma só pessoa não me interessa tanto. Só num bar, a pessoa alterada. Mas não me entenda mal, não quero com isso dizer que adoro pessoas alcoolizadas o tempo inteiro, pelo contrário. A não ser que eu também esteja bem alcoolizado, porque o cara que não está bêbado ter que suportar quem está... é quase... é realmente insuportável. Mas os bêbados são dóceis. Essa é a verdade. Quando não são é porque o álcool não deixa. (pausa contemplativa pretérita).

Mas voltando à história das mentalidades. O que um período de longa duração pode revelar me deixa bastante curioso. Como não sei muita coisa sobre esse assunto, fico tentando catar, colher, pescar o que alguns grupos de pessoas, quando juntos, podem deixar transparecer. E os ônibus são incríveis. Quando não são incríveis – porque você pode não concordar – é porque o teu juízo tá fodido. (pausa contemplativa estúpida). Convenhamos que a real é que os ônibus podem foder teu juízo. Geralmente por um curto período. Se ao descer do ônibus teu juízo continuar fodido, pode crer, você já faz parte de uma mentalidade que eu não sei qual é. (pausa simplesmente) Será que meu juízo ainda está fodido? (Pausa). Prefiro pensar que só estou mentalmente impressionado com o nosso tempo. Ok.

O ônibus que eu estava não vinha cheio. Encheu quando parou no engarrafamento. Comecei a me perguntar por que as pessoas entravam em um veículo que não andava. Não obtive resposta. As pessoas continuavam a entrar. Entravam e se socavam. Eu que sempre ouvi minha mãezinha dizer que eu quando criança não era gordo, mas era “socado”. (pausa contemplativa sem respiração).

Cinco minutos de trânsito parado. Um senhor entra com seis bolsas de supermercado. Senhor magro, cansado, parecia doente. Pensei: como ele vai levantar essas seis bolsas pra passar na roleta? Ele levantou. Ele conseguiu. Mas uma das bolsas rasgou. Não foi culpa dele. Não se faz mais sacolas como as da Casa da Banha. Eram de papel, lembra? Você não podia colocar a carne que, num engarrafamento como esses, molhava e rasgava a bolsa. Não é nada disso que eu queria contar. Mas espere. (pausa simplesmente).

Uma mulher ao meu lado. Grande. Larga. Cabelos longos grisalhos. Aparentava ter seus quarenta e cinco anos, mais ou menos. Professora de Educação física – ela me disse. Ela queria reclamar do engarrafamento, do ônibus cheio, do ar que começava a ficar murrinhento dentro do veículo. Mas ela não conseguiu. Ela começou logo a dizer sobre uma suposta energia que estava presente ali, naquele momento. Ela vinha de longe. Estava voltando pra casa depois de estar em alguma celebração religiosa onde se bebe alguma coisa e se vê coisa e. Enfim. Ela não mais parou de falar. Havia uma mulher no andar de cima da casa dela que a atingia na madrugada e que sabia onde ela estava em qualquer cômodo da casa. Depois ela me disse que no ano 200 a.C ela era uma bruxa e que todas aquelas bruxas estavam tentando fazer com que ela voltasse pra elas. Depois ela me disse que estava pra abrir um hotel. Depois me disse que eu era uma pessoa boa. Muito boa. Bem. Não sou lá esse poço de bondade, mas tento que não tirem o melhor de mim. De repente ela começou a ver mortos dentro do ônibus. Pensei: se pros vivos não tem mais espaço, o que os mortos vem fazer aqui? Calei meu silêncio. Faltava ela ver duendes. E não é que os duendes também resolveram entrar no ônibus parado? Os duendes estavam animadíssimos, segundo ela. Faziam muita algazzara. Não gosto de duvidar das pessoas. E nem se trata disso. Mas o papo começou a ficar denso. Ela queria se livrar da mulher do andar de cima da casa dela. Eu estava sentado no canto do banco do ônibus. Sair dali ia me dar muito trabalho. Meu pé estava dormente. Mas logo eu esqueci do meu pé direito dormente quando percebi que na verdade ela não queria a morte da vizinha. Mas a própria. Por um instante eu não sabia mais em que mundo eu estava. Se um coelho branco de olhos vermelhos se atracasse ao vidro do ônibus eu não ia me espantar. Ela retirou a bíblia da sua bolsa. Começou a ler os salmos. Contou-me simultaneamente sobre suas várias visões cotidianas e suas vidas passadas – segundo ela foram muitas. Nenhuma recente. Sempre a.C. Nunca d.C. Depois fez menção de me presentear com um pequeno rosário de contas cristalinas que estava em seu pescoço. Mas acho que ela desistiu, não sei por que. Acho que eu queria aquele rosário. Quando percebi, o ônibus tinha andado. E eu já podia descer. O ônibus andou e eu não havia notado. Isso foi desgastante. O tempo parou ali. Despedi-me dela – não perguntei seu nome, e saí do ônibus. Fiquei de longe olhando. A minha mentalidade estava fodida. Meu juízo também. Que corpulenta foi aquela meia hora de engarrafamento. Quão titânicas eram as pessoas. Mas sem paz. Tive vontade de beber. Não cerveja, mas óleo de rícino. Não sei por que. Aquilo tudo foi muito estranho. Eu queria saber mesmo que tempo é esse. Só. Eu que gosto de saber o que tem dentro das cabeças das pessoas, talvez agora queira observar eclipses, peixes, mastruços. Poeiras. É.

11 comentários:

  1. Num tinha coisa melhor pra beber não, rapaz?

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  2. pra que serve óleo de rícino afinal?

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  3. Acho que era um remédio que no passado servia pra castigar as crianças mal-educadas.

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  4. Por isso que eu não dou papo pra maluco em ônibus, quando começa a falar, dou o golpe de dar uma viradinha, respirar fundo e fingir que o sono bateu repentinamente, rs, sempre funciona! :)

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  5. acho que essa mulher já devia estar morta...

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  6. Se ela estava mesmo morta, bem que podia ter tido a consideração de liberar espaço pros outros sentarem, já que o ônibus estava cheio, não é mesmo?

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  7. você tem razão, Linda. Essas realidades exasperam...
    obrigado pela visita. volte sempre!

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  8. Marcela, eu também não! Mas ainda bem que não foi uma mendiga que correu atrás de mim na lapa com um pau na mão e um cachorro preto amarrado em um fio de telefone! vai vendo...

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  9. Astor, antes de garantir que voltarei sempre, vou ser bem direta: a Jupira é sua namorada? Se não for (e você estiver livre e desimpedido), pode mandar um email private pra evangelinda@gmail.com
    Tenha um ótimo dia, com muitas pausas contemplativas.
    Beijos,

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  10. Linda, Jupira não é minha namorada... acho que eu e Jupira nos encontramos nessa vida pra falar. Deve ser uma forma de casamento essa. Mas não é por isso que você vai deixar de nos visitar aqui, não?

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  11. tá bem, continuo visitando mas não acontece nada nesse blog.
    ;(

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